Atualizado 10 de agosto de 2025 por Sergio A. Loiola
Pesquisas indicam que perda de lítio desencadeia Alzheimer, mas composto de lítio pode reverter doença. O lítio poderia explicar, e tratar Alzheimer?
A pesquisa foi publicada na Revista Nature.

Qual é a primeira faísca que desencadeia a marcha de destruição da memória causada pela doença de Alzheimer?
Por que algumas pessoas com alterações cerebrais semelhantes às do Alzheimer nunca desenvolvem demência?
Essas questões têm atormentado os neurocientistas há décadas.
Agora, uma equipe de pesquisadores da Escola Médica de Harvard pode ter encontrado uma resposta: deficiência de lítio no cérebro.
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O trabalho, publicado quarta-feira na Nature, mostra pela primeira vez que o lítio ocorre naturalmente no cérebro, protegendo-o da neurodegeneração e mantendo a função normal de todos os principais tipos de células cerebrais.

As descobertas — que levaram 10 anos para serem elaboradas — baseiam-se em uma série de experimentos em camundongos e em análises de tecido cerebral humano e amostras de sangue de indivíduos em vários estágios de saúde cognitiva.
Os cientistas descobriram que a perda de lítio no cérebro humano é uma das primeiras alterações que levam ao Alzheimer, enquanto em camundongos, uma depleção semelhante de lítio acelerou a patologia cerebral e o declínio da memória.
A equipe descobriu ainda que a redução dos níveis de lítio decorreu da ligação às placas amiloides e da absorção prejudicada pelo cérebro.
Em um conjunto final de experimentos, a equipe descobriu que um novo composto de lítio, que evita a captura pelas placas amiloides, restaurou a memória em camundongos.
Vídeo: Lítio pode curar Alzheimer e revolucionar a medicina?
Os resultados unificam observações de décadas em pacientes, fornecendo uma nova teoria da doença e uma nova estratégia para diagnóstico precoce, prevenção e tratamento.
A triagem de lítio por meio de exames de sangue de rotina pode um dia oferecer uma maneira de identificar indivíduos em risco que se beneficiariam do tratamento para prevenir ou retardar o início do Alzheimer.
Afetando cerca de 400 milhões de pessoas em todo o mundo, a doença de Alzheimer envolve uma série de anormalidades cerebrais — como aglomerados da proteína beta-amiloide, emaranhados neurofibrilares da proteína tau e perda de uma proteína protetora chamada REST —, mas estas nunca explicaram a história completa da doença.
Por exemplo, algumas pessoas com tais anormalidades não apresentam sinais de declínio cognitivo.
E tratamentos recentemente desenvolvidos que têm como alvo a beta-amiloide normalmente não revertem a perda de memória e reduzem apenas modestamente a taxa de declínio.
Também está claro que fatores genéticos e ambientais afetam o risco de Alzheimer, mas os cientistas ainda não descobriram por que algumas pessoas com os mesmos fatores de risco desenvolvem a doença e outras não.

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O lítio, disseram os autores do estudo, pode ser um elo perdido crítico.
“A ideia de que a deficiência de lítio pode ser uma causa da doença de Alzheimer é nova e sugere uma abordagem terapêutica diferente”, disse o autor sênior Bruce Yankner, professor de genética e neurologia no Instituto Blavatnik da HMS, que na década de 1990 foi o primeiro a demonstrar que a beta-amiloide é tóxica.
O estudo aumenta a esperança de que os pesquisadores possam um dia usar o lítio para tratar a doença como um todo, em vez de focar em uma única faceta, como beta-amiloide ou tau, disse ele.
Vídeo: Alzheimer: 3 boas notícias sobre a doença
Uma das principais descobertas do estudo é que, à medida que a beta-amiloide começa a formar depósitos nos estágios iniciais da demência, tanto em humanos quanto em modelos murinos, ela se liga ao lítio, reduzindo sua função no cérebro.
Os níveis mais baixos de lítio afetam todos os principais tipos de células cerebrais e, em camundongos, dão origem a alterações que lembram a doença de Alzheimer, incluindo perda de memória.
Os autores identificaram uma classe de compostos de lítio que podem escapar da captura pela beta-amiloide.
O tratamento de camundongos com o composto mais potente que evita a captura da beta-amiloide, chamado orotato de lítio, reverteu a patologia da doença de Alzheimer, preveniu danos às células cerebrais e restaurou a memória.

Embora as descobertas precisem ser confirmadas em humanos por meio de ensaios clínicos, elas sugerem que a medição dos níveis de lítio pode ajudar a detectar o Alzheimer precocemente.
Além disso, as descobertas apontam para a importância de testar compostos de lítio que evadem a proteína amiloide para tratamento ou prevenção.
Outros compostos de lítio já são usados para tratar transtorno bipolar e transtorno depressivo maior, mas são administrados em concentrações muito mais altas, que podem ser tóxicas, especialmente para idosos.
A equipe de Yankner descobriu que o orotato de lítio é eficaz em um milésimo dessa dose — o suficiente para imitar o nível natural de lítio no cérebro.
Camundongos tratados durante quase toda a vida adulta não apresentaram evidências de toxicidade.
“É preciso ter cuidado ao extrapolar a partir de modelos murinos, e nunca se sabe até testar em um ensaio clínico controlado em humanos”, disse Yankner. “Mas, até agora, os resultados são muito encorajadores.”
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A depleção de lítio é um sinal precoce da doença de Alzheimer
Yankner se interessou pelo lítio ao usá-lo para estudar a proteína neuroprotetora REST.
Descobrir se o lítio é encontrado no cérebro humano e se seus níveis mudam à medida que a neurodegeneração se desenvolve e progride, no entanto, exigiu acesso ao tecido cerebral, que geralmente não pode ser acessado em pessoas vivas.

Então, o laboratório fez uma parceria com o Rush Memory and Aging Project em Chicago, que tem um banco de tecido cerebral post-mortem doado por milhares de participantes do estudo em todo o espectro de saúde e doenças cognitivas.
Ter essa amplitude foi crucial porque tentar estudar o cérebro nos estágios finais do Alzheimer é como olhar para um campo de batalha após uma guerra, disse Yankner; há muitos danos e é difícil dizer como tudo começou.
Mas nos estágios iniciais, “antes que o cérebro esteja gravemente danificado, é possível obter pistas importantes”, disse ele.
Liderada pelo primeiro autor Liviu Aron, pesquisador sênior associado no Yankner Lab, a equipe usou um tipo avançado de espectroscopia de massa para medir níveis de traços de cerca de 30 metais diferentes nos cérebros e no sangue de pessoas cognitivamente saudáveis, aquelas em estágio inicial de demência chamado comprometimento cognitivo leve e aquelas com Alzheimer avançado.
O lítio foi o único metal que apresentou níveis marcadamente diferentes entre os grupos e se alterou nos estágios iniciais da perda de memória.
Seus níveis foram elevados nos doadores cognitivamente saudáveis, mas diminuíram bastante naqueles com comprometimento leve ou Alzheimer avançado.

A equipe replicou as descobertas em amostras obtidas de vários bancos de cérebros em todo o país.
A observação está alinhada com estudos populacionais anteriores que mostram que níveis mais altos de lítio no ambiente, inclusive na água potável, estão associados a taxas mais baixas de demência.
Mas o novo estudo foi além, observando diretamente o lítio nos cérebros de pessoas que não receberam lítio como tratamento, estabelecendo uma faixa que constitui níveis normais e demonstrando que o lítio desempenha um papel essencial na fisiologia cerebral.
“O lítio se mostrou semelhante a outros nutrientes que obtemos do ambiente, como ferro e vitamina C”, disse Yankner. “É a primeira vez que alguém demonstra que o lítio existe em um nível natural biologicamente significativo sem administrá-lo como medicamento.”
Então, Yankner e seus colegas deram um passo adiante. Demonstraram em camundongos que a depleção de lítio não está apenas ligada à doença de Alzheimer — ela ajuda a promovê-la.
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A perda de lítio causa uma série de alterações relacionadas ao Alzheimer
Os pesquisadores descobriram que alimentar camundongos saudáveis com uma dieta com restrição de lítio reduziu os níveis de lítio no cérebro para um nível semelhante ao de pacientes com Alzheimer.
Isso pareceu acelerar o processo de envelhecimento, dando origem à inflamação cerebral, perda de conexões sinápticas entre os neurônios e declínio cognitivo.

Em modelos murinos com Alzheimer, a depleção de lítio acelerou drasticamente a formação de placas beta-amiloides e estruturas que se assemelham a emaranhados neurofibrilares.
A depleção de lítio também ativou células inflamatórias no cérebro chamadas microglia, prejudicando sua capacidade de degradar o amiloide; causou a perda de sinapses, axônios e mielina, que protege os neurônios;
e acelerou o declínio cognitivo e a perda de memória — todas características da doença de Alzheimer.
Os experimentos com camundongos revelaram ainda que o lítio alterou a atividade de genes conhecidos por aumentar ou diminuir o risco de Alzheimer, incluindo o mais conhecido, o APOE.
A reposição de lítio por meio da administração de orotato de lítio na água dos camundongos reverteu os danos relacionados à doença e restaurou a função da memória, mesmo em camundongos mais velhos com doença avançada.
Notavelmente, a manutenção de níveis estáveis de lítio no início da vida preveniu o aparecimento do Alzheimer — uma descoberta que confirmou que o lítio alimenta o processo da doença.
“O que mais me impressiona sobre o lítio é o efeito generalizado que ele tem sobre as diversas manifestações do Alzheimer. Eu realmente nunca vi nada parecido em todos os meus anos de trabalho com esta doença”, disse Yankner.
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Um caminho promissor para o tratamento do Alzheimer
Alguns ensaios clínicos limitados de lítio para doença de Alzheimer mostraram alguma eficácia, mas os compostos de lítio que eles usaram — como o padrão clínico, carbonato de lítio — podem ser tóxicos para pessoas idosas nas altas doses normalmente usadas na clínica.

A nova pesquisa explica o porquê: a beta-amiloide estava sequestrando esses outros compostos de lítio antes que pudessem funcionar.
Yankner e colegas encontraram o orotato de lítio desenvolvendo uma plataforma de triagem que busca em uma biblioteca de compostos aqueles que podem contornar a beta-amiloide.
Outros pesquisadores agora podem usar a plataforma para buscar outros compostos de lítio que evadem a beta-amiloide e que podem ser ainda mais eficazes.
“Uma das descobertas mais estimulantes para nós foi que houve efeitos profundos com essa dose extremamente baixa”, disse Yankner.
Se replicados em estudos futuros, os pesquisadores dizem que a triagem de lítio por meio de exames de sangue de rotina pode um dia oferecer uma maneira de identificar indivíduos em risco que se beneficiariam do tratamento para prevenir ou retardar o início do Alzheimer.
Estudar os níveis de lítio em pessoas resistentes ao Alzheimer à medida que envelhecem pode ajudar os cientistas a estabelecer um nível-alvo que eles podem ajudar os pacientes a manter para prevenir o aparecimento da doença, disse Yankner.
Como o lítio ainda não demonstrou ser seguro ou eficaz na proteção contra a neurodegeneração em humanos, Yankner enfatiza que as pessoas não devem tomar compostos de lítio isoladamente.
Mas ele expressou um otimismo cauteloso de que o orotato de lítio ou um composto similar avançará para ensaios clínicos em um futuro próximo e poderá, em última análise, mudar a história do tratamento do Alzheimer.
“Minha esperança é que o lítio faça algo mais fundamental do que as terapias anti-amiloide ou anti-tau, não apenas diminuindo, mas revertendo o declínio cognitivo e melhorando a vida dos pacientes”, disse ele.
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É Livre a reprodução de matérias mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space
CIENTISTAS: PERDA DE LITIO ESTÁ ASSOCIADO A ALZHEIMER
Bibliografia
Revista Nature
Lithium deficiency and the onset of Alzheimer’s disease
Does lithium deficiency contribute to Alzheimer’s disease?
Havard Medical School