Atualizado 21 de agosto de 2025 por Sergio A. Loiola
Pesquisadores da USP descobriram uma ilha gigantesca submersa no Oceano Atlântico Sul, próximo a Região Sul do Brasil. Entre 1.200 e 1.500 km da costa brasileira.
Denominada de Elevação do Rio Grande (ERG), a Ilha está submersa sob o Atlântico Sul há mais de 40 milhões de anos, e nas ultimas duas décadas a antiga ilha tropical tem sido investigada por cientistas brasileiros.

A descoberta não apenas reescreve a história geológica da região, como também desencadeou interesse do Brasil de reivindicar a soberania sobre a ilha e seus ecossistemas.
A seguir veremos as aventuras da expedição e os significados dessa importante descoberta.
LEIA MAIS
SATÉLITE IDENTIFICA 100 MIL MONTANHAS NO FUNDO DOS OCEANOS
AVENTURAS DA CABRA MONTESA A BEIRA DO ABISMO
Há 40 milhões de anos a ilha estava acima do mar, e o intemperismo arrasou a parte emersa
A Elevação do Rio Grande (ERG), uma formação geológica gigantesca que hoje repousa nas profundezas geladas do Atlântico Sul, já foi uma ilha tropical coberta de vegetação na frente do Brasil, segundo um estudo liderado por pesquisadores da USP.
Localizada a 1.200 quilômetros da atual costa sudeste brasileira, a ERG é um conjunto de montanhas e cânions que, se estivessem em terra, formariam uma paisagem impressionante, marcada por fendas profundas e picos com mais de 4 mil metros de altura (o Pico da Neblina, maior montanha do Brasil, comparativamente, não chega a 3 mil metros).

Hoje, todas essas estruturas estão completamente submersas, assentadas sobre um assoalho marinho de 5 mil metros de profundidade.
Um viajante que pudesse retroceder no tempo, porém, veria uma paisagem completamente diferente ao navegar por ali no meio do Eoceno, entre 50 e 40 milhões de anos atrás.
Naquela época, segundo os pesquisadores, as partes mais altas da ERG estavam acima da superfície, formando uma grande ilha vulcânica, de clima tropical e, muito provavelmente, recoberta de florestas e rodeada por recifes.

A análise sugere que a ilha se elevou entre 180 e 2.000 metros acima do nível do mar durante o Eoceno, em um clima global mais quente, tornando-se coberta por vegetação tropical e solos férteis.
As erupções vulcânicas eram intermitentes, deixando longos períodos de erosão antes que a massa terrestre fosse submersa pela subsidência tectônica.
Com o passar do tempo, essa paisagem insular teria sido naturalmente erodida (pela ação do vento, da chuva, das ondas, etc.) e recoberta por sucessivos derramamentos de lava, dando origem ao que os cientistas enxergam hoje, debaixo d’água, como tapetes de argila vermelha (solo petrificado) espremidos entre camadas de basalto preto (rocha vulcânica).
Localizada no Atlântico Sul, entre 1.200 e 1.500 km da costa brasileira, a ERG é, na verdade, um microcontinente formado a partir da placa tectônica de Gondwana, há 120 milhões de anos.
Vídeo: Pesquisadores brasileiros descobrem “continente perdido” no Atlântico – Repórter Rio
LEIA MAIS
UNICAMP: DRONE COM SAR ENXENGA DETALHE 100 M ABAIXO DA TERRA
PRODUÇÃO DE “OXIGÊNIO ESCURO” NO FUNDO DO OCEANO FAZ REPENSAR ORIGENS DA VIDA
Aventuras e Expedições da Descoberta
As primeiras evidências desse passado tropical surgiram em fevereiro de 2018, numa expedição liderada por pesquisadores do Instituto Oceanográfico (IO) da USP e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que utilizou o navio de pesquisa Alpha Crucis para caracterizar depósitos minerais na ERG.
Dragagens de pesquisa realizadas no topo da elevação trouxeram à tona uma amostra de argila vermelha, que os pesquisadores suspeitaram ser uma espécie de solo fossilizado (paleossolo)

algo que só poderia ter se formado em um ambiente terrestre e de clima tropical (ou seja, na superfície). Além de outras feições geológicas que sugeriam a existência de praias, rios e erosão por chuva no passado.
A dragagem, porém, não permitia aos pesquisadores saber como aquela argila estava disposta no topo da ERG — a 650 metros de profundidade. Sabiam apenas que ela estava lá.
Vídeo: Entenda mais sobre a Elevação do Rio Grande no fundo do oceano
O mistério só foi solucionado numa segunda expedição, realizada oito meses depois, desta vez com o navio de pesquisa RRS Discovery, do Centro Nacional de Oceanografia da Grã-Bretanha. O projeto foi realizado em parceria com pesquisadores da Universidade de Southampton, na Inglaterra.
A embarcação britânica era equipada com um veículo submarino de operação remota (ROV), que possibilitou aos cientistas fazer imagens em alta resolução das camadas sedimentares que estavam expostas na borda de um gigantesco cânion que corta a Elevação do Rio Grande.
Nesse grande Cânion, conhecido como a “Grande Fenda” (ou Rifte Cruzeiro do Sul, na nomenclatura oficial), eles encontraram os “sanduíches” de rocha basáltica com argila vermelha no meio.
LEIA MAIS
CHAPADA DIAMANTINA: DESLUMBRANTES PAISAGENS E LUGARES
ESTUDO AVALIA A CONSERVAÇÃO DA FLORESTA DE ARAUCÁRIA-CAMPOS NO SUL DO BRASIL
Anos depois a confirmação definitiva da descoberta
A evidência definitiva — descrita pelos pesquisadores na revista Scientific Reports — veio com a análise detalhada da composição e das propriedades (geoquímicas, minerais e magnéticas) da argila coletada.

Segundo os pesquisadores, os resultados indicam que essa camada argilosa é resquício de um solo orgânico, típico de ambientes tropicais, que só poderia ter se formado na superfície.
“Fizemos todas as análises que podiam ser feitas e conseguimos entender a história geológica daquelas argilas”, diz o professor Luigi Jovane, do IO, que participou das expedições e coordenou as análises do material. “Não temos dúvida de que seja um paleossolo; não tem outra fonte para aqueles minerais.”
Em seu estado original, segundo Jovane, esse solo era idêntico ao daquela terra vermelha, típica do interior paulista.
“O fato de que estamos encontrando esses indícios, de que essa área era uma ilha até pouco tempo atrás, é muito importante, porque mostra que havia uma relação direta com o continente”, avalia o pesquisador.

Isso não significa que a ERG chegou a estar conectada diretamente com o continente — ela é separada da plataforma continental e do Platô de São Paulo por um cânion profundo, chamado Canal de Vema, que chega a ter 50 km de largura e 4.800 metros de profundidade.
Mas indica que ela tem uma história conectada com a do Brasil, afirma Jovane, com clima e solos idênticos no passado.
Rochas vulcânicas adjacentes à camada de argila foram datadas com 44 milhões de anos. Naquela época, em meados do Eoceno, o clima da Terra estava aquecido e praticamente toda a sua área terrestre era coberta por florestas e outras paisagens de clima tropical.
Os dinossauros já estavam extintos e os mamíferos estavam se diversificando rapidamente. A América do Sul já estava separada da África e da Antártida, mas o continente austral ainda não estava congelado.
A submersão da ERG não ocorreu em função de uma elevação do nível do mar, segundo Jovane, mas pela subsidência da própria Elevação do Rio Grande, que teria afundado à medida que a câmara magmática que existia abaixo dela (e a empurrava para cima) esfriou.
Em outras palavras, foi a ERG que afundou, e não o oceano que a encobriu. É possível que isso tenha ocorrido mais de uma vez, dependendo do comportamento do magma.
Os pesquisadores não sabem dizer qual era a altura ou o tamanho exato da antiga ilha, já que o estudo é baseado em uma única amostra, de um único ponto da ERG.
A elevação inteira, considerando todas as suas estruturas geológicas, tem o tamanho da Espanha (cerca de 500 mil km2) e só o seu maciço principal, a ERG Ocidental, de onde a amostra foi tirada, é maior do que o Ceará (150 mil km2).
Vídeo: Brasil Descobre “Ilha Submersa” do Tamanho da Espanha! O Que Isso Significa? Elevação Rio Grande
LEIA MAIS
CLONADA ARAUCÁRIA VIGOROSA DE 700 ANOS PARA REFLORESTAR
ASTROTURISMO GANHA ADEPTOS NO BRASIL COM PRIMEIRO ‘PARQUE ESCURO’ DO PAÍS
Brasil reivindica soberania sobre a ilha submersa
Alguns outros países fizeram expedições ao local, mas apenas o Brasil tem interesse na explotação do local.
O interesse do Brasil na Elevação do Rio Grande não é apenas científico. Desde o fim de 2018, o País pleiteia junto à Organização das Nações Unidas o reconhecimento da área abrangida pela ERG como uma extensão da sua plataforma continental, o que conferiria ao País soberania sobre a exploração dos recursos minerais e outras possíveis riquezas encontradas em seu subsolo.

Dependendo do ponto de referência adotado, a Elevação do Rio Grande começa entre 1 mil e 1.200 km da costa — muito além das 200 milhas náuticas (370 km) da chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), onde os países possuem soberania estabelecida sobre os recursos presentes na água e no substrato marinho, segundo a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM).
O pleito do Brasil, porém, é que a ERG representa uma extensão da plataforma continental brasileira; dentro do que a Marinha do Brasil chama de “Amazônia Azul”.
Uma decisão da Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da ONU sobre o tema é aguardada para os próximos anos.

A área é especialmente cobiçada pela presença das chamadas crostas de ferro-manganês e nódulos polimetálicos, ricos em metais raros e de importância estratégica para aplicações tecnológicas, como cobalto, níquel, platina, selênio, molibdênio, nióbio e telúrio.
São os chamados “elementos E-tech”, essenciais para a produção de baterias, painéis solares e outras tecnologias essenciais do mundo moderno.
“Nosso programa de pesquisa visa melhorar a compreensão da concentração de elementos E-tech em depósitos minerais do fundo do mar, que são considerados a maior — porém, menos explorada — fonte de elementos E-tech em nível global”, diz o resumo do projeto de pesquisa que deu origem às pesquisas na Elevação do Rio Grande, coordenado pelo professor Frederico Brandini, do IO, e concluído em 2019.
“Ao identificar os processos que resultam em depósitos de maior qualidade, pretendemos desenvolver um modelo preditivo para a ocorrência (de elementos E-tech) em todo o mundo. Também abordaremos como minimizar os impactos ambientais da exploração mineral. A mineração do fundo do mar terá um impacto no meio ambiente. Só pode ser considerada uma opção viável se for ambientalmente sustentável.”
Para levar adiante sua reivindicação, o Brasil precisa demonstrar que o planalto é uma extensão natural de sua plataforma continental e que qualquer exploração será ambientalmente sustentável.
Isso requer estudos exaustivos de impacto ambiental, cruciais, visto que os ecossistemas de águas profundas são pouco compreendidos e extremamente sensíveis.
Política de Uso
É Livre a reprodução de matérias mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space
BRASIL DESCOBRIU E REIVINDICA ILHA DO TAMANHO DA ESPANHA
Bibliografia
Jornal USP
Elevação do Rio Grande já foi uma ilha tropical na frente do Brasil
Instituto Oceanográfico
Entenda o que é a Elevação do Rio Grande, ilha submersa que o Brasil reivindica há mais de 20 anos
Agência Fapesp
Nature
Red clays indicate subaerial exposure of the Rio Grande Rise during the Eocene volcanic episode.
Cérebro Digital
A lost island resurfaces from the depths after 40 million years, sparking a legal dispute.