Plataforma robótica torna mais preciso o tratamento por estimulação magnética transcraniana. Inovação criada por pesquisadores brasileiros aprimora aparelho usado para tratar doenças degenerativas e psiquiátricas.
(Revista Pesquisa Fapesp). A estimulação magnética transcraniana (TMS) tem se mostrado uma promissora ferramenta de pesquisa, diagnóstico e tratamento de doenças neurodegenerativas e distúrbios psiquiátricos, como depressão, esquizofrenia, dor crônica, doença de Parkinson e tinnitus, o zumbido no ouvido.
Técnica não invasiva e indolor de estimulação do córtex cerebral por meio de campo magnético, a TMS foi criada em 1985 pelo cientista britânico Anthony Barker e, desde então, tem conquistado a atenção da comunidade científica.
O desenvolvimento de um sistema robotizado de neuronavegação com software livre por pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) pode ajudar a consolidar a técnica.
Na inovação, um braço robótico substitui o posicionamento manual da bobina que emite os pulsos magnéticos em direção ao cérebro. O controle é feito por um software de neuronavegação, denominado InVesalius.
O programa utiliza imagens de ressonância magnética ou tomografia computadorizada para criar um modelo tridimensional do cérebro e, assim, determinar o local exato das áreas que serão alvo da estimulação.
Parte adicional do software é uma ferramenta computacional, batizada de MarLe, capaz de identificar o posicionamento da calota craniana e da bobina para garantir a precisa estimulação cerebral. MarLe é um acrônimo de markerless (sem marcação), referência à dispensa de marcadores na cabeça para guiar a neuronavegação.
“O braço robótico posiciona a bobina conforme os comandos que o operador dá pelo sistema de neuronavegação e ajusta a posição automaticamente caso o usuário se movimente”, explica o físico Renan Matsuda, que desenvolveu o controle robótico e o MarLe durante seu doutorado no Programa de Física Aplicada à Medicina e Biologia da FFCLRP-USP.

O estudo que resultou na criação do sistema foi realizado no Laboratório de Biomagnetismo da FFCLRP sob a orientação do físico Oswaldo Baffa Filho, professor da instituição.
O trabalho foi coorientado pelo físico Victor Hugo Souza, um ex-aluno da USP de Ribeirão Preto que hoje atua como pesquisador da Universidade Aalto, na Finlândia, instituição parceira da pesquisa desde o início. Também colabora no projeto o físico Risto Ilmoniemi, professor emérito da Universidade Aalto.
O projeto recebeu apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (Cepid NeuroMat), financiado pela FAPESP e coordenado por Baffa. No ano passado, Matsuda foi um dos vencedores da 12ª edição do Prêmio Tese Destaque USP, na categoria Grande Área – Inovação.

O grupo já publicou diversos artigos científicos sobre a inovação, os mais recentes nos periódicos Physical and Engineering Sciences in Medicine, em maio de 2023, e Brain Stimulation, em março de 2024.
Nesse último, os pesquisadores demonstraram que combinar o posicionamento robótico com um novo sistema de TMS multicanal em desenvolvimento na Universidade Aalto é ainda mais eficaz para a precisão dos tratamentos com TMS. Enquanto no procedimento tradicional se utiliza uma única bobina para estimular o cérebro, no TMS multicanal empregam-se cinco bobinas sobrepostas.
“A combinação dessas técnicas possibilita automatizar todo o processo de posicionamento do estimulador e de mapeamento de funções cerebrais com precisão milimétrica”, destaca Souza.
De acordo com ele, “embora a estimulação magnética não traga riscos ao paciente, se os pulsos forem aplicados em lugares indesejados, o estímulo pode provocar contrações mandibulares e de outros músculos cranianos, provocando dores de cabeça”.
Mapa do cérebro
Matsuda começou a trabalhar no projeto durante a graduação em física médica, cursada entre 2011 e 2015, na FFCLRP. Nessa época, ele conheceu Souza e o físico André Peres, que desenvolviam, sob a orientação de Baffa, um software de neuronavegação em colaboração com pesquisadores do Centro de Tecnologia da Informação (CTI) Renato Archer, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
“Criamos uma espécie de Google Maps do cérebro”, diz Matsuda.
Batizado em homenagem ao pai da anatomia moderna, o médico belga Andreas Vesalius (1514-1564), o software InVesalius foi disponibilizado no site do MCTI e em repositórios on-line.
“O desenvolvimento do software livre para a estimulação magnética navegada foi o grande diferencial desse projeto”, conta Baffa. “Havia softwares comerciais para a neuronavegação com funções específicas para TMS, mas de código aberto o nosso foi o primeiro no mundo. No ano passado surgiu um novo software livre para TMS nos Estados Unidos”, diz Souza.
Um artigo descrevendo o desenvolvimento do InVesalius foi publicado em novembro de 2018 no Journal of Neuroscience Methods.
O passo seguinte, realizado durante o doutorado de Matsuda, foi o desenvolvimento do controle robótico e do MarLe, o sistema de rastreamento espacial para a neuronavegação.
O resultado, segundo o pesquisador, foi a criação de um sistema flexível, que permite integrar o software de neuronavegação a qualquer braço robótico adquirido no mercado.
Nas plataformas comerciais de TMS, o software está associado a um aparelho específico. Esses sistemas, todos importados, custam, em geral, mais de € 100 mil (cerca de R$ 600 mil), enquanto apenas o braço robótico pode ser adquirido por cerca de € 30 mil (R$ 180 mil).

Pesquisa, diagnóstico e tratamento
Seja nos centros de pesquisa ou nos serviços de assistência, o Brasil é um dos países em que a neuromodulação não invasiva está mais disseminada, afirma o fisioterapeuta Abrahão Fontes Baptista, do Centro de Matemática, Computação e Cognição da Universidade Federal do ABC (UFABC).
“A equipe da USP de Ribeirão está na ponta do desenvolvimento no mundo”, afirma Baptista
Não é mera opinião. Em 2021, Baptista fez um estudo de cientometria (destinado a avaliar as métricas científicas) e mapeou a produção brasileira sobre o tema nas bases de dados internacionais Scopus e Web of Science.
Ele chegou à conclusão de que o Brasil ocupa posição de destaque na produção científica mundial sobre neuromodulação não invasiva, campo que abrange não apenas a estimulação magnética transcraniana, mas outras categorias não invasivas de modulação da atividade neural.
Baptista informa que os profissionais de fisioterapia estão atualmente entre os que mais recorrem à neuromodulação. As principais indicações são o controle da dor crônica, a recuperação de condições neurológicas, como esclerose múltipla, casos de acidente vascular cerebral (AVC) e lesões medulares.
Como ferramenta diagnóstica, a TMS tem sido utilizada para avaliar a integridade funcional das vias motoras corticoespinhais, que transmitem sinais responsáveis pelos movimentos voluntários do corpo, identificando possíveis danos.
Esse é o campo de pesquisa da neurobióloga Claudia Domingues Vargas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisadora do Cepid NeuroMat.
Ela desenvolve estudos com pacientes que sofreram lesão do plexo braquial, um feixe de nervos que sai da medula espinhal e se estende até o ombro, braço e mão. “É uma lesão muito comum em acidentes motociclísticos”, explica Vargas.
A estimulação magnética transcraniana permite mapear o comprometimento neural e fazer uma avaliação residual da área afetada, pois a lesão pode comprometer algumas fibras e poupar outras. Por meio do NeuroMat, a pesquisadora tem acompanhado o projeto desde o início.
“É uma plataforma bastante amigável, mas seu aspecto mais importante é a especificidade. Com o InVesalius posso saber com exatidão se estou atingindo a região de interesse.” neurobióloga Claudia Domingues Vargas

Segundo o psiquiatra André Russowsky Brunoni, do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, novos estudos sobre depressão podem aumentar a necessidade de equipamentos mais precisos.
“Para ativar o cérebro deprimido, a bobina tem que ser colocada sobre a região do córtex pré-frontal. Mas começaram a surgir estudos de neuroimagem funcional que mostram locais mais específicos para melhorar a resposta ao tratamento. É algo que ainda está sendo investigado e, caso se confirme, haverá uma grande necessidade de equipamentos mais precisos. E aí entra o trabalho do pessoal de Ribeirão Preto”, analisa Brunoni.
O especialista, contudo, não vislumbra aplicabilidade clínica imediata para o braço robótico para tratar depressão. “É um equipamento muito caro. Seria necessário testar em pacientes para confirmar se há ganhos adicionais que compensem o custo do tratamento.”
O psiquiatra realiza pesquisas para quadros como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de estresse pós-traumático, transtorno bipolar e esquizofrenia no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP há mais de 10 anos – o tratamento, por enquanto, limita-se à depressão, a condição mais investigada.
Ele recebe os pacientes por meio de projetos de pesquisa e por planos de saúde privados. O procedimento ainda não foi incluído no Sistema Único de Saúde (SUS), embora a estimulação magnética transcraniana tenha sido reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina em 2012.
“Já temos evidências robustas o suficiente para incluir a neuromodulação no SUS, mas a Conitec [Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS] ainda pede a formatação de um projeto com esse objetivo”, informa Baptista, da UFABC.
Ele explica que hoje os atendimentos são prestados à população por meio de projetos de extensão da universidade.
Enquanto a técnica não está disponível no SUS, na rede particular o procedimento vem sendo popularizado à medida que os equipamentos ficam mais baratos. As sessões custam em torno de R$ 350 a R$ 500.
“Hoje em dia, com os protocolos mais modernos, é possível atingir uma boa resposta a partir de 15 dias. A estimulação começa em um ritmo semanal e depois vai se espaçando, apenas para manutenção”, explica Brunoni, que vem desenvolvendo diversos projetos de pesquisa, alguns com apoio da FAPESP, com o propósito de tornar os tratamentos de neuroestimulação mais eficazes.
Matsuda, no momento em um estágio de pós-doutorado na Universidade Aalto, também segue aprimorando a ferramenta terapêutica.
“Estou trabalhando agora com eletroencefalograma [EEG]. A ideia é definir em qual região do cérebro aplicar o pulso magnético usando não só imagem de ressonância magnética, mas também sinais de EEG para acompanhar a atividade cerebral elétrica no momento da aplicação.” o físico Renan Matsuda, que desenvolveu o controle robótico e o MarLe durante seu doutorado no Programa de Física Aplicada à Medicina e Biologia da FFCLRP-USP.
A utilização de imagens de ressonância conjuntamente com sinais de EEG, afirma, poderá proporcionar ganho de precisão e aumento de eficácia do procedimento.
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A reprodução de matérias é livre mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space
MAGNETISMO TRATA DOENÇAS DEGENERATIVAS E PSIQUIÁTRICAS
Fonte
Pesquisa Fapesp
A reportagem acima foi publicada com o título “Um leme para navegar no cérebro” na edição impressa n° 348, de fevereiro de 2025.
Plataforma robótica torna mais preciso o tratamento por estimulação magnética transcraniana
Journal of Neuroscience Methods. v. 309, p. 109-20. 1º nov. 2018.
Physical and Engineering Sciences in Medicine. v. 46, p. 887-96. 11 mai. 2023.
Brain Stimulation. v. 17, p. 469-72. mar-abr. 2024.
Robotic–electronic platform for autonomous and accurate transcranial magnetic stimulation targeting.
Arquivos de Neuro-Psiquiatria. 22 nov. 2021.
Pesquisa brasileira em neuromodulação não invasiva aplicada às condições de saúde.