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Os ecossistemas das terras altas do sul do Brasil são especiais. A vegetação natural aqui – um mosaico de florestas de araucárias e campos naturais – é uma parte altamente distinta da Mata Atlântica, uma das regiões de biodiversidade mais ricas e exclusivas do planeta.

As florestas de araucárias poderiam fazer com que um dinossauro “se sentisse em casa”, já que as árvores da mesma família do atual pinheiro (Araucaria angustifolia) eram partes comuns e importantes das florestas tropicais da América do Sul no final do período Cretáceo, há 72-66 milhões de anos.

Contudo, embora os campos do Brasil recebam menos atenção do que suas florestas, os Campos de Cima da Serra (também conhecidos como Campos de Vacaria, no Rio Grande do Sul) são antigos e cerca de um quarto de suas espécies de plantas não são encontradas em nenhum outro lugar do planeta.

A devastação das florestas de araucárias no século XX foi feita por colonizadores que expulsaram os indígenas de suas terras. Os preciosos ecossistemas das terras altas do sul do Brasil estão muito danificados e enfrentam futuro incerto. Na foto, uma rara araucária sobrevive no perímetro de Curitiba. Theo Marques/Folhapress

Efeitos predatórios da colonização sobre os Ecossistemas

No entanto, esses ecossistemas especiais sofreram grandes danos desde a chegada dos europeus, especialmente durante o século XX. Há menos de 150 anos, florestas densas ainda cobriam grande parte do sul do Brasil e parecia haver um suprimento praticamente infinito de madeira de araucária disponível.

Entretanto, com a intensificação da colonização da região, isso começou a mudar rapidamente. Várias décadas de exploração madeireira frenética quase esgotaram as populações de araucárias do sul do Brasil, que agora estão criticamente ameaçadas de extinção.

Seu papel na produção de madeira começou a ser substituído por plantações de pinheiros e eucaliptos exóticos. Essas plantações, juntamente com extensos campos de cultivo como a soja, também começaram a erodir rapidamente as áreas de Campos.

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Então, quanto resta da valiosa vegetação natural do mosaico Floresta de Araucária-Campos? Surpreendentemente, tem sido difícil encontrar boas estimativas – há muito poucas disponíveis para Campos de Vacaria e os números publicados para a Floresta de Araucária variam enormemente, de 3,6% a 39,3%.

Esse é um grande problema. Entender onde os remanescentes podem ser encontrados e qual a sua extensão é vital para ajudar a conservá-los, especialmente porque a mudança climática perturba as condições constantemente úmidas e relativamente frias das terras altas.

Mata das Araucárias remanescentes. Mapa feito pelo autor com base em dados da Fundação SOS Mata Atlântica e do IBGE

Esse novo estudo visou essa lacuna de conhecimento. Reuniu vários conjuntos de dados diferentes para responder a quatro perguntas: quanta floresta natural e campos ainda restam nas terras altas, em que estado estão esses remanescentes, como sua área mudou nas últimas três décadas e como eles são protegidos?

Em resumo, o estudo apresenta que o mosaico tem pouca vegetação natural remanescente, a maior parte do que resta está muito degradada, houve grandes perdas desde 1985 e não há muita floresta de araucárias ou Campos protegidos.

Em relação à Floresta de Araucária, a escolha do conjunto de dados que se usa tem uma grande influência na estimativa da quantidade de vegetação natural remanescente. Alguns mapas de cobertura da terra têm uma definição ampla de floresta natural e incluem manchas que surgiram nos últimos anos, enquanto outros conjuntos de dados contam apenas as áreas mais antigas, maiores e mais bem preservadas.

É por isso que as estimativas anteriores dos remanescentes da floresta com araucária variaram tanto. Em conjunto, os dados mostram que cerca de 19% a 36% da região da floresta com araucária ainda possui alguma forma de cobertura florestal natural, mas menos de 5% dela possui floresta de alta qualidade e pouquíssimas áreas – se é que existe alguma – sobreviveram aos últimos 150 anos relativamente ilesas.

Os danos impressionantes que as florestas de araucária sofreram são destacados pelos fantasmas das araucárias desaparecidas. Em 1872, o agrimensor inglês Thomas Bigg-Wither viajou pelo estado do Paraná e “viu enormes florestas de pinheiros que cobriam as encostas de colinas e montanhas cobrindo uma área de centenas de quilômetros quadrados”. Essas florestas, antes ricas, foram totalmente devastadas nos 150 anos seguintes.

Analisamos os dados de 422 parcelas do Inventário Florestal Nacional nas áreas de floresta com araucárias do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul foram encontrados apenas duas (0,5%) onde as araucárias compunham pelo menos metade do dossel da floresta; três quartos (76,5%) das parcelas não tinham nenhuma araucária.

Embora a maior parte desses danos tenha ocorrido nas décadas intermediárias do século XX, as perdas ainda estão em andamento – 24,1% das florestas naturais que existiam nos planaltos em 1985 foram perdidas até 2018, principalmente para plantações florestais, terras agrícolas e pastagens.

As estimativas de vegetação remanescente na região de Campos de Vacaria – 27-41% – são mais consistentes do que as da floresta com araucária, mas os mapas de vegetação sugerem que uma proporção relativamente alta dessa vegetação é de mata e não pastagem de fato. A pastagem natural também está diminuindo em um ritmo ainda mais rápido do que a floresta, com mais de dois quintos (43,2%) da pastagem de 1985 das terras altas tendo sido erradicada até 2018.

Parcela aluvial mostrando como a vegetação natural das terras altas em 1985 mudou até 2018, segundo dados do MapBiomas. Algumas mudanças podem resultar de mudanças de classificação em vez de transições genuínas de cobertura da terra. Os dados que sustentam esse número podem ser encontrados em Dados Suplementares. Gráfico dos autores do artigo

O Dilema entre a Conservação e a Preservação: Povos milenares e algumas comunidades ajudam na conservação. Devem fazer parte dos planos de recuperação

É provável que esses números também sejam subestimados, pois estudos anteriores mostraram que as pastagens degradadas – aquelas com regimes inadequados de pastagem ou fogo, ou com espécies exóticas invasoras – estão espalhadas por toda parte. Entretanto, esses sinais de danos são muito mais difíceis de identificar usando dados de imagens de satélite do que sinais de alerta semelhantes em florestas.

De modo geral, é provável que os Campos de Cima da Serra do sul do Brasil estejam entre os ecossistemas mais ameaçados do país – de forma semelhante às florestas de araucária – e mereçam muito mais atenção em termos de conservação do que têm recebido até o momento.

Uma solução para os problemas de conservação enfrentados pelas paisagens naturais nas terras altas do sul do Brasil são as áreas protegidas, que impõem limites legais aos tipos de mudanças de uso da terra em larga escala que transformaram drasticamente as terras altas no último século.

Isso certamente pode ser eficaz: embora pouca terra (4,6% das regiões centrais do planalto) ou vegetação natural remanescente (7,3-13,5%) seja protegida, as áreas florestais protegidas parecem ser de melhor qualidade do que as não protegidas.

No entanto, a situação é mais complexa para Campos de Vacaria. Em todas as regiões, há menos pastagens protegidas do que florestas e, historicamente, o manejo de áreas estritamente protegidas com foco em florestas frequentemente excluiria o fogo e o pastoreio necessários para manter a estrutura natural das pastagens.

Apesar das áreas de conservação rigorosa geralmente excluírem os seres humanos, é possível que as comunidades e os ecossistemas floresçam juntos. Isso é mais claramente ilustrado nas terras indígenas do sul do Brasil. Algumas delas abrigam áreas importantes de florestas com Araucária de alta qualidade – tanto que, em muitos casos, é possível até mesmo ver as fronteiras dos territórios em mapas de vegetação.

Estudos têm demonstrado consistentemente que, quando têm direitos seguros sobre suas terras, os povos indígenas são administradores altamente eficazes do mundo natural.

A devastação das florestas de araucárias do Brasil no século XX foi possibilitada por colonizadores que expulsaram povos como os Kaingang, Xokleng e Guarani de suas terras tradicionais. Como resultado, os preciosos ecossistemas das terras altas do sul do Brasil estão muito danificados e enfrentam um futuro incerto.

O retorno a formas mais respeitosas, recíprocas e mutuamente benéficas de se relacionar com o mundo natural será fundamental para restaurar e conservar a floresta com araucárias e Campos para as próximas gerações.

Política de Uso 

A reprodução de matérias é livre mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space 

ESTUDO AVALIA A CONSERVAÇÃO DA FLORESTA DE ARAUCÁRIA-CAMPOS NO SUL DO BRASIL

Fonte

ScienceDirect

A conservation assessment of Brazil’s iconic and threatened Araucaria Forest-Campos mosaic

The Convesation

Estudo internacional destaca o que ainda resta das araucárias no Sul do Brasil

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