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Atualizado 4 de setembro de 2025 por Sergio A. Loiola

Pesquisa mostra evidências de que a floresta na Amazonia fabrica nuvens. As árvores da Amazônia ‘transpiram’ o ciclo de vapor que gera as chuvas na estação seca.

A Pesquisa foi publicada na Revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

A Floresta Nacional do Tapajós é uma unidade de conservação (UC) federal brasileira, localizada no estado do Pará. Fonte: Wikipedia

Estudos já mostraram que, na estação seca, cerca de até 70% da chuva que cai na Amazônia tem origem na própria transpiração da floresta, que retorna a água para atmosfera.

Veremos a seguir o que a pesquisa revelou sobre a auto regulação das chuvas em algumas regiões da floresta.

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Em alguns lugares a Floresta regula as chuvas na seca

Pesquisas tem evidenciado que a transpiração sustenta o equilíbrio hídrico e o clima das florestas amazônicas. Durante a estação seca, ela desempenha um papel ainda mais crítico, fornecendo umidade atmosférica para produzir chuvas.

 Conectividade entre países amazônicos envolvendo fluxo de umidade atmosférica. O Brasil detém 60% do bioma florestal amazônico e tem uma grande responsabilidade com seus países vizinhos a oeste. O Brasil é o maior fornecedor de chuvas para os países da Amazônia Ocidental. Até um terço do total de chuvas anuais nos territórios amazônicos da Bolívia, Peru, Colômbia e Equador depende da água proveniente da porção brasileira da floresta amazônica. Essa conectividade internacional ilustra como as políticas relacionadas ao desmatamento, especialmente na Amazônia brasileira, afetarão o clima em outros países. As larguras das setas são proporcionais à porcentagem da precipitação anual recebida por cada país em suas áreas amazônicas. Fonte: https://www.nature.com/articles/s41586-023-06970-0?fromPaywallRec=true

Mas explicar as fontes de transpiração entre diferentes espécies e a paisagem continua sendo um desafio de longa data em ecohidrologia.

Essa nova pesquisa mostra que a resistência à embolia — uma característica hidráulica que mede a resistência das espécies à seca — controla fortemente as fontes de água da transpiração em toda a paisagem na Amazônia.

Na estação seca, um período de aumento das taxas de transpiração, as fontes em colinas incluem chuvas da estação seca de camadas rasas do solo.

Fontes de água provenientes da transpiração durante a estação seca na Amazônia oriental e sua relação com a resistência à embolia e a posição topográfica (morros e vales). Observe que a distribuição das raízes tenta se aproximar da realidade, onde raízes mais dimórficas e variabilidade na profundidade das raízes, atingindo maiores profundidades, foram descritas em morros, e raízes mais rasas em vales são esperadas, dada a proximidade do lençol freático . Fonte: https://www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.2501585122

Nos vales, as fontes também incluem precipitação mais antiga armazenada em camadas mais profundas.

A transpiração contribui com até 70% das chuvas da estação seca.

Essa contribuição da transpiração para as chuvas é particularmente importante para florestas com maior estresse hídrico na Amazônia oriental (ou seja, a Amazônia mais sazonal), onde a contribuição da transpiração para a umidade atmosférica pode ser maior.

A transpiração da estação seca também é fundamental para desencadear o início das chuvas da estação chuvosa.

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A pesquisa foi realizada na Floresta Nacional do Tapajós

A pesquisa foi conduzida dentro da Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, território tradicional dos Mundurukús, em duas áreas contrastantes:

A Floresta Nacional do Tapajós é uma unidade de conservação (UC) federal brasileira, localizada no estado do Pará. Tem área de extensão de 549.066,87 hectares e mais de 160 quilômetros de praias fluviais. A unidade apresenta grande diversidade de paisagens: rios, lagos, alagados, terra firme, morros, planaltos, floresta, campos e açaizais. É a UC que abriga a maior quantidade de pesquisas científicas no país. Fonte: Wikipedia

1 – O platô, uma floresta mais elevada, na qual o lençol freático esta mais profundo (cerca de 40 metros),

2- E o baixio, uma floresta que fica mais próxima ao igarapé, com um lençol freático mais raso, e abrange uma área próxima e acima do leito do rio, com aproximadamente até 30 metros do mesmo.

Os resultados surpreenderam.

Ao contrário do que se pensava, a maior parte da água usada pelas árvores para transpirar no período da seca não vem de reservas profundas do solo, mas sim de camadas superficiais.

Fonte de água de transpiração da estação seca no espaço de isótopos duplos. Fonte: https://www.pnas.org/doi/10.1073/pnas.2501585122

Em um ano de chuvas normais, sem secas ou chuvas extremas, em média, 69% da transpiração no platô e 46% no baixio vieram da água armazenada nos primeiros 50 centímetros do solo.

Essa água armazenada nos primeiros centímetros do solo caiu das nuvens recentemente, no período da estação seca.

Por estar na seca, este é o momento em que a floresta mais precisa da água, e é quando ela mais contribui para produzi-la.

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A diversidade de espécies resilientes das árvores é o segredo dessa adaptação

Nem todas as árvores retornam iguais quantidades de chuva da seca para a atmosfera da mesma forma. 

A Amazônia é extremamente diversa em árvores, e diferentes espécies possuem estratégias distintas para acessar a água armazenada no solo.

Vista do rio Xingu mostra uma propriedade usada para criação de gado (à esquerda) e uma área preservada da floresta amazônica, na Terra Indígena Koatinemo, no estado do Pará — Foto: Carlos FABAL/AFP

O estudo mostrou que a chave para entender essas diferenças na fonte de água da transpiração está em um traço hidráulico chamado resistência ao embolismo. Esse mecanismo indica a vulnerabilidade de uma árvore à seca.

Quando a árvore absorve água do solo, é como se houvesse um “cabo de guerra”, em que a corda é a própria água: de um lado, o solo retém a água; do outro, a raiz da árvore tenta puxá-la.

Espécies mais resistentes retornam grandes proporções da água da chuva da estação seca para atmosfera, portanto, estão mais adaptadas a utilizar água de solos rasos, e usam mais dessa água que caiu recente.

Já as espécies com menor resistência ao embolismo, e maior vulnerabilidade, são mais “fracas” nesse cabo de guerra, e precisam de outras estratégias, como por exemplo, utilizar raízes mais profundas, para potencialmente alcançar camadas do solo com reserva de água mais estável.

Muitas dessas espécies estudadas estão utilizando grandes proporções de água rasa.

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Por que isso importa? Sem floresta, sem chuva

A mensagem é clara: sem floresta, não há chuva. E, sem chuva, não há floresta.

A água rapidamente reciclada pela transpiração não só mantém a Amazônia durante a estação seca, como também é essencial para dar início às chuvas da estação chuvosa, algo já mostrado em estudos anteriores.

 Este gráfico é resultado de uma pesquisa que avaliou o potencial de transição do ecossistema no bioma da floresta amazônica como resultado de perturbações compostas de fatores antrópicos, e naturais, até 2050. Em  f  é apresentado o Potencial de transição do ecossistema (a possibilidade de a floresta mudar para um estado estrutural ou composicional alternativo) em todo o bioma Amazônia até o ano de 2050. Fonte: https://www.nature.com/articles/s41586-023-06970-0?fromPaywallRec=true

Comunidades tradicionais e indígenas são as mais diretamente afetadas pelas mudanças no ciclo da água, sofrendo impactos intensos em seu cotidiano.

Mas as consequências ultrapassam os limites da Amazônia.

Os chamados “rios voadores” transportam umidade para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, sustentando a agricultura em algumas das principais regiões produtoras de grãos. Com menos floresta, há menos chuva.

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O desafio diante da legislação frágil

Esse alerta se torna ainda mais urgente diante da recente aprovação do chamado PL da Devastação.

A mudança na legislação pode acelerar o desmatamento em áreas nacionais críticas, como a Amazônia, e outras florestas, que também são importantes para o ciclo da água, como o Cerrado e a Mata Atlântica.

A equação é simples:

O estudo mostra que o ciclo da água na Amazônia é rápido mesmo na seca: a própria chuva da estação seca alimenta a transpiração, que depois vira chuva.

O estudo reforça algo que já sabemos, mas nem sempre levamos a sério:

Proteger a Amazônia não é apenas uma questão ambiental. É garantir chuva, alimento e futuro econômico para o Brasil.

Política de Uso 

É Livre a reprodução de matérias mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space   

PESQUISA MOSTRA QUE ÁRVORES DA AMAZÔNIA GERAM CHUVAS NA SECA

Bibliografia

Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)

Embolism resistance corroborates the contribution of dry season precipitation to transpiration in eastern Amazonian forests

The Conversation

A floresta que fabrica nuvens: estudo mostra que árvores da Amazônia ‘transpiram’ o ciclo de vapor que gera as chuvas na estação seca

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