Atualizado 4 de setembro de 2025 por Sergio A. Loiola
Pesquisa mostra evidências de que a floresta na Amazonia fabrica nuvens. As árvores da Amazônia ‘transpiram’ o ciclo de vapor que gera as chuvas na estação seca.
A Pesquisa foi publicada na Revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS).

Estudos já mostraram que, na estação seca, cerca de até 70% da chuva que cai na Amazônia tem origem na própria transpiração da floresta, que retorna a água para atmosfera.
Como a seca é um período de chuvas reduzidas, surge uma pergunta essencial: De onde vem a água que as árvores usam para manter esse ciclo?
Veremos a seguir o que a pesquisa revelou sobre a auto regulação das chuvas em algumas regiões da floresta.
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Em alguns lugares a Floresta regula as chuvas na seca
Pesquisas tem evidenciado que a transpiração sustenta o equilíbrio hídrico e o clima das florestas amazônicas. Durante a estação seca, ela desempenha um papel ainda mais crítico, fornecendo umidade atmosférica para produzir chuvas.

Mas explicar as fontes de transpiração entre diferentes espécies e a paisagem continua sendo um desafio de longa data em ecohidrologia.
Essa nova pesquisa mostra que a resistência à embolia — uma característica hidráulica que mede a resistência das espécies à seca — controla fortemente as fontes de água da transpiração em toda a paisagem na Amazônia.
Na estação seca, um período de aumento das taxas de transpiração, as fontes em colinas incluem chuvas da estação seca de camadas rasas do solo.

Nos vales, as fontes também incluem precipitação mais antiga armazenada em camadas mais profundas.
Essa resistência à embolia controla a idade da transpiração e pode ser usada para parametrizar o uso de água pela vegetação em modelos hidrológicos e ecossistêmicos.
A transpiração contribui com até 70% das chuvas da estação seca.
Essa contribuição da transpiração para as chuvas é particularmente importante para florestas com maior estresse hídrico na Amazônia oriental (ou seja, a Amazônia mais sazonal), onde a contribuição da transpiração para a umidade atmosférica pode ser maior.
A transpiração da estação seca também é fundamental para desencadear o início das chuvas da estação chuvosa.
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A pesquisa foi realizada na Floresta Nacional do Tapajós
A pesquisa foi conduzida dentro da Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, território tradicional dos Mundurukús, em duas áreas contrastantes:

1 – O platô, uma floresta mais elevada, na qual o lençol freático esta mais profundo (cerca de 40 metros),
2- E o baixio, uma floresta que fica mais próxima ao igarapé, com um lençol freático mais raso, e abrange uma área próxima e acima do leito do rio, com aproximadamente até 30 metros do mesmo.
Os resultados surpreenderam.
Ao contrário do que se pensava, a maior parte da água usada pelas árvores para transpirar no período da seca não vem de reservas profundas do solo, mas sim de camadas superficiais.

Em um ano de chuvas normais, sem secas ou chuvas extremas, em média, 69% da transpiração no platô e 46% no baixio vieram da água armazenada nos primeiros 50 centímetros do solo.
Essa água armazenada nos primeiros centímetros do solo caiu das nuvens recentemente, no período da estação seca.
Isso significa que a floresta recicla rapidamente a água da própria estação: a chuva cai, infiltra-se no solo raso, é absorvida pelas raízes e retorna quase imediatamente para a atmosfera, na forma de transpiração.
Por estar na seca, este é o momento em que a floresta mais precisa da água, e é quando ela mais contribui para produzi-la.
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A diversidade de espécies resilientes das árvores é o segredo dessa adaptação
Nem todas as árvores retornam iguais quantidades de chuva da seca para a atmosfera da mesma forma.
A Amazônia é extremamente diversa em árvores, e diferentes espécies possuem estratégias distintas para acessar a água armazenada no solo.

O estudo mostrou que a chave para entender essas diferenças na fonte de água da transpiração está em um traço hidráulico chamado resistência ao embolismo. Esse mecanismo indica a vulnerabilidade de uma árvore à seca.
Quando a árvore absorve água do solo, é como se houvesse um “cabo de guerra”, em que a corda é a própria água: de um lado, o solo retém a água; do outro, a raiz da árvore tenta puxá-la.
Quanto mais seco o solo, com mais “força” o solo segura a água, e mais força é necessária para puxá-la. Espécies com maior resistência ao embolismo conseguem extrair água solos mais secos.
Espécies mais resistentes retornam grandes proporções da água da chuva da estação seca para atmosfera, portanto, estão mais adaptadas a utilizar água de solos rasos, e usam mais dessa água que caiu recente.
Já as espécies com menor resistência ao embolismo, e maior vulnerabilidade, são mais “fracas” nesse cabo de guerra, e precisam de outras estratégias, como por exemplo, utilizar raízes mais profundas, para potencialmente alcançar camadas do solo com reserva de água mais estável.
O estudo mostra que quanto maior a resistência ao embolismo, mais água rasa as árvores utilizam na transpiração. Essa descoberta é inédita, e ajuda a explicar como diferentes árvores contribuem para a reciclagem da chuva.
E ainda mais interessante, o estudo mostra que mesmo na estação seca, grande parte da água utilizada na transpiração vem das camadas mais rasas do solo abastecidas pela chuva.
Muitas dessas espécies estudadas estão utilizando grandes proporções de água rasa.
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Por que isso importa? Sem floresta, sem chuva
A mensagem é clara: sem floresta, não há chuva. E, sem chuva, não há floresta.
A água rapidamente reciclada pela transpiração não só mantém a Amazônia durante a estação seca, como também é essencial para dar início às chuvas da estação chuvosa, algo já mostrado em estudos anteriores.

Se a floresta perde sua capacidade de reciclar a água, o risco é de um colapso do ciclo hidrológico.
Comunidades tradicionais e indígenas são as mais diretamente afetadas pelas mudanças no ciclo da água, sofrendo impactos intensos em seu cotidiano.
Mas as consequências ultrapassam os limites da Amazônia.
Os chamados “rios voadores” transportam umidade para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, sustentando a agricultura em algumas das principais regiões produtoras de grãos. Com menos floresta, há menos chuva.
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O desafio diante da legislação frágil
Esse alerta se torna ainda mais urgente diante da recente aprovação do chamado PL da Devastação.
A mudança na legislação pode acelerar o desmatamento em áreas nacionais críticas, como a Amazônia, e outras florestas, que também são importantes para o ciclo da água, como o Cerrado e a Mata Atlântica.
A equação é simples:
Menos árvores, menos chuva, menos floresta. E esse ciclo negativo ameaça não só a biodiversidade e o clima, mas também a segurança alimentar e o transporte de muitas comunidades locais e da região, e também a economia brasileira.
O estudo mostra que o ciclo da água na Amazônia é rápido mesmo na seca: a própria chuva da estação seca alimenta a transpiração, que depois vira chuva.
O estudo reforça algo que já sabemos, mas nem sempre levamos a sério:
A Amazônia é uma verdadeira fábrica de chuvas. Cada árvore, ao transpirar, coloca em movimento o vapor que ajuda a manter a vida, dentro e fora da floresta.
Proteger a Amazônia não é apenas uma questão ambiental. É garantir chuva, alimento e futuro econômico para o Brasil.
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É Livre a reprodução de matérias mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space
PESQUISA MOSTRA QUE ÁRVORES DA AMAZÔNIA GERAM CHUVAS NA SECA
Bibliografia
Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)
The Conversation