A análise DNA da dentição de uma neandertal encontrado na França revela que não havia uma, mas ao menos duas espécies de neandertal na Europa, isoladas a mais de 50 mil anos uma da outra, desde 100 mil até 50 mil anos atrás, época de sua extinção.
Uma equipe na Caverna Mandrin anunciou na revista Cell Genomics a descoberta que reformula radicalmente o conhecimento sobre os últimos neandertais. Essa mesma caverna também foi habitada por sapiens, com a descoberta a mais antiga migração de sapiens na Europa também neste local.
O estudo publicado por Tharsika Vimala e Martin Sikora, geneticistas populacionais da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, e Andaine Seguin-Orlando, paleogenomista da Universidade de Toulouse, revela o impensável:
a população de Thorin pertence a uma linhagem neandertal até então desconhecida entre os neandertais que supostamente povoaram a Europa nos últimos milênios de sua existência.

Antes dessa descoberta surpreendente os estudos genéticos, devido a inexistência de dados arqueológicos, sugeriam a existência de apenas uma única população neandertal com uma biologia altamente homogênea. O cenário de substituição dos neandertais pelos humanos parecia simples, mas não é o caso.
Os autores relataram a descoberta de um indivíduo neandertal tardio, apelidado de “Thorin”, de Grotte Mandrin na França mediterrânea, e seu genoma. Esses fósseis dentários estão associados a um rico registro arqueológico das tradições tecnológicas finais dos neandertais nesta região entre 50 a 42 mil anos atrás.

O genoma de Thorin revela uma divergência relativamente precoce de desde 105 mil anos atrás dos outros neandertais tardios. Thorin pertencia a uma população com um pequeno tamanho de grupo que não mostrava cruzamento genético com outros neandertais europeus tardios conhecidos, revelando cerca de 50 mil anos de isolamento genético de sua linhagem, apesar de viverem em regiões vizinhas.
Esses resultados têm implicações importantes para resolver hipóteses concorrentes sobre as causas do desaparecimento dos neandertais.

Neandertais viviam espacial e geneticamente isolados
Ao revelar a existência de outra espécie neandertal totalmente desconhecida dentro das últimas populações neandertais da Europa, a novidade muda profundamente nossa compreensão na época de sua extinção.
Até o momento, foram encontrados 31 dentes, ossos da mandíbula, fragmentos de crânio, falanges e milhares de ossos minúsculos pertencentes ao nosso neandertal apelidado de Thorin, em homenagem aos escritos e ao pensamento de J.R.R. Tolkien, sendo Thorin um dos últimos reis anões sob a montanha e o último de sua linhagem.

Quanto ao local onde foi encontra o fóssil de “Thorin de Mandrin”, um dos últimos neandertais, por que o corpo de Thorin estava deitado na entrada da caverna? Como ele pode ter sido preservado por dezenas de milênios? Como o corpo chegou até nós? Ele foi enterrado?
Isolamento pode ter contribuído para a extinção
Embora essas populações neandertais na Europa apresentem um alto grau de homogeneidade genética, a população Thorin teria sido separada dos neandertais clássicos por mais de 50 milênios.
Não houve intercâmbio genético direto entre a população Thorin e os neandertais clássicos europeus desde o 105º milênio AEC até a extinção dessas populações. Uma divergência profunda. Inesperada. A pesquisa genética tornou possível reposicionar essa história singular precisamente no tempo, mostrando o incrível isolamento dessas populações e o momento distante de sua divergência.
Além disso, a equação sapiens/neandertal na Europa precisa ser radicalmente repensada. Nesse momento surpreendente em que uma população humana substitui a outra, não há mais dois protagonistas, mas pelo menos três.
Talvez existam outros grupos diferentes na linhagem, já que as populações viviam isoladas, com as análises genéticas de Thorin revelando a existência de uma linhagem fantasma, outra população neandertal, ainda desconhecida, que parece ter vagado pela Europa na mesma época.
Mas como podemos imaginar processos de isolamento entre populações humanas ao longo de 50 milênios, quando essas populações estão localizadas a menos de duas semanas de caminhada uma da outra? Encontrar o povo de Thorin suscita muitas questões.
Os processos evolutivos, culturais e sociais que seriam impensáveis se os transpuséssemos para as populações sapiens como as conhecemos pela antropologia cultural, história e arqueologia. Parece haver algo que distingue profundamente as formas de estar no mundo dos neandertais e dos sapiens.
Algo muito mais profundo do que simples questões culturais ou territoriais, que nos coloca frente a frente com o enigma do neandertal e, provavelmente, com nossa incapacidade de chegar a um acordo com espécies distantes de nós.
Ao mesmo tempo, o estudo revela que Thorin tem ligações com outro neandertal localizado a 1.700 km de distância, no Rochedo de Gibraltar. Esse crânio, descoberto em meados do século XIX, teve parte de sua genética revelada em 2019.
Ele foi considerado um neandertal antigo que viveu de 80 a 100 milênios atrás, mas nova pesquisa mostrou que esse neandertal de Gibraltar, apelidado de Nana, datava exatamente do mesmo período que Thorin, nos últimos milênios de existência dessas populações.
E agora tudo tem que ser reescrito.
Repensar o primeiro sapiens, sua relação não com apenas um tipo de neandertal, mas com duas espécies biologicamente diferenciadas e que, embora culturalmente diversas, poderiam se extinguir sem mudar nada em suas formas milenares de conceber o mundo.
A criatura morreria, permanecendo o que sempre foi. Como um experimento humano sem futuro. Então, como esses neandertais desapareceram? A busca continua, e a história se torna cada vez mais fascinante.
Política de Uso
A reprodução de matérias é livre mediante a citação do título do texto com link apontando para o respectiva texto, e Crédito do site Nature & Space
SURPRESA! DNA NEANDERTAL REVELA QUE HAVIA DUAS ESPÉCIES
Fonte
Cell Genomics
Long genetic and social isolation in Neanderthals before their extinction
The Conversation