Atualizado 1 de agosto de 2025 por Sergio A. Loiola
Brasil inicia o desenvolvimento de microrreatores nucleares, e gerar eletricidade para comunidades isoladas e substituir geradores a diesel.
O projeto prevê o desenvolvimento de aparelhos capazes de gerar entre 1 e 5 megawatts (MW) de energia. Cada megawatt é suficiente para abastecer cerca de mil pessoas.

Nova geração de tecnologias para microrreatores usam combustível atômico seguros, de baixo risco, mais fácil de lidar, obter e descartar.
Os microrreatores são equipamentos de menor porte do que os reatores nucleares convencionais que geram energia por meio da fissão do núcleo atômico.
Nove instituições, entre universidades, institutos de pesquisa e uma diretoria da Marinha do Brasil, e quatro empresas unem esforços para desenvolver no país os meios e a tecnologia necessários para a fabricação de microrreatores nucleares.
Se forem bem-sucedidos, irão incluir o país entre os pioneiros nesse sistema de geração de eletricidade.
Pouco mais de um quinto dos municípios brasileiros tem até 5 mil habitantes e poderia ser atendido por apenas um microrreator.
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Controlados remotamente e do tamanho de um contêiner de 40 pés, com 12 metros (m) de comprimento por 2,4 m de largura e 2,6 m de altura, os equipamentos poderão ser usados em substituição a geradores de eletricidade a diesel que abastecem comunidades isoladas, indústrias, hospitais, datacenters e outros estabelecimentos que precisam de um sistema alternativo ou complementar ao fornecimento elétrico convencional.

“Os microrreatores nucleares podem gerar energia ininterruptamente por até uma década sem precisar de recarga de combustível”, diz o físico e coordenador técnico do projeto João Manoel Losada Moreira, do Programa de Pós-graduação em Energia da Universidade Federal do ABC (UFABC) e da startup Terminus Energia. “Uma de suas grandes vantagens é não emitir gases de efeito estufa [GEE].”
O projeto do microrreator brasileiro, programado para ser instalado junto ao reator Argonauta, do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), no Rio de Janeiro, exigirá a superação de vários desafios tecnológicos e poderá proporcionar legados para a pesquisa nuclear brasileira.
Entre os principais suprimentos que irão requerer um esforço local estão a concepção e a produção dos tubos de calor – heat pipes, no jargão nuclear –, capazes de suportar temperaturas de 800 graus Celsius (ºC), e o desenvolvimento da cadeia produtiva da grafita e do berílio.
“Heat pipes de uso nuclear e berílio são dois materiais considerados estratégicos e de comercialização internacional restrita”, comenta o pesquisador da UFABC.
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A iniciativa ainda está em uma fase intermediária de desenvolvimento. Seu Nível de Maturidade Tecnológica (TRL) atual é o 3, que compreende a demonstração da viabilidade da solução proposta por meio de estudos analíticos ou experimentais em laboratório.
Criada pela Nasa, a agência espacial norte-americana, a escala TRL indica o estágio de desenvolvimento de inovações tecnológicas em diferentes setores da economia. O último nível, 9, significa que a solução se encontra em produção continuada.
O objetivo dos pesquisadores brasileiros é alcançar o estágio TRL 6 em três anos, demonstrando por meio de experimentos específicos as funções críticas da nova tecnologia.
Além da UFABC, participam do projeto as universidades federais do Ceará (UFC), de Minas Gerais (UFMG) e de Santa Catarina (UFSC), o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e o IEN – ambos ligados à Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) –, o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), a Marinha do Brasil, por meio de sua Diretoria de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico, as empresas públicas Amazul – Amazônia Azul Tecnologias de Defesa e Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), a startup fluminense Terminus Energia e a companhia catarinense Diamante Geração de Energia.

A iniciativa tem um orçamento de R$ 50 milhões, sendo R$ 30 milhões em recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), obtidos este ano, e R$ 20 milhões da empresa Diamante.
A tecnologia dos microrreatores é inspirada nos reatores nucleares projetados para gerar energia em missões espaciais.
Eles não utilizarão água ou gás em seu sistema de refrigeração e de condução de calor, como ocorre nas usinas nucleares tradicionais. A recuperação de calor será feita pela tecnologia de heat pipes, a mesma proposta para reatores espaciais (ver infográfico abaixo).
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Aparelho é um reator de pequeno porte de fissão nuclear
O aparelho será composto por um reator de pequeno porte onde ocorrerá a fissão nuclear, ou seja, o processo de divisão do núcleo de átomos de urânio causada por uma reação em cadeia de nêutrons.
O resultado da fissão é a liberação de energia na forma de calor. Os átomos de urânio estarão contidos em varetas de combustível colocadas dentro do reator.

Os nêutrons gerados pela fissão serão inicialmente de alta energia cinética (velocidade), na casa de 2 milhões de elétron-volts (eV), mas a reação em cadeia da fissão é mais eficiente quando os nêutrons são lentos, com cerca de 1 eV.
Para baixar a energia dos nêutrons, será possível usar grafita ou berílio, denominados moderadores de energia.
“Em um reator tradicional, os nêutrons são desacelerados com água aquecida”, explica o engenheiro de materiais Jesualdo Luiz Rossi, pesquisador do Ipen, responsável por desenvolver o sistema moderador do microrreator. “Dois outros elementos podem ser empregados para a mesma tarefa: a grafita ou o óxido de berílio [BeO].”
A grafita é um composto de carbono sólido, disponível no mercado global. Para usá-la como agente desacelerador, o núcleo do reator precisará ter em torno de 1 metro de diâmetro, informa Moreira. Se for utilizado o berílio, pode ter 60 centímetros.
O calor gerado, em torno de 800 ºC, é conduzido do reator por um conjunto de heat pipes para o trocador de calor do sistema de conversão de potência, que transformará a energia térmica em elétrica.
De acordo com Moreira, dois sistemas tradicionais de conversão de potência estão em análise pela equipe: os ciclos termodinâmicos Stirling e Brayton.
O desenvolvimento de heat pipes capazes de trabalhar a 800 ºC está a cargo das equipes da UFC, UFMG e UFSC.
O núcleo do heat pipes será de sódio puro, um eficiente condutor de calor.
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Segundo o pesquisador da UFABC, não existem dados disponíveis sobre a produção dos tubos de calor adequados para a aplicação nuclear, pois são tratados como segredo industrial por quem detém a tecnologia.
Também compõe o microrreator um sistema que usa barras e tambores rotativos absorvedores de nêutrons para controle da reação de fissão em cadeia do microrreator.
Esse sistema, essencial para a segurança do processo, permite estabilizar, elevar, reduzir ou mesmo zerar o nível de potência do microrreator, desligando-o.
“O material absorvedor de nêutrons será produzido com carboneto de boro, material cerâmico de alta resistência e dureza”, detalha Rossi.
Gerar carboneto de boro é uma tecnologia conhecida, mas o Brasil não fabrica. Caberá ao Ipen desenvolver o processo produtivo, que será posteriormente repassado a eventuais empresas interessadas.
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Contenção e blindagem de aço
Outro desenvolvimento tecnológico que se fará necessário é de um sistema de controle remoto digital para os microrreatores, tarefa a cargo do Inatel e do IEN.

“Estamos propondo um sistema inovador, que, além do controle remoto do microrreator, também permitirá ao equipamento trabalhar de forma integrada com microrredes de energia, redes elétricas locais autossuficientes que podem ou não estar conectadas com a rede nacional”, diz Moreira.
Nas microrredes, a geração de energia é feita por equipamentos de pequeno porte, geralmente com fonte eólica ou fotovoltaica ou uma combinação de fontes.
No caso, o microrreator nuclear poderá trabalhar isolado ou em conjunto com geradores intermitentes, que dependem da incidência de sol ou vento, dando estabilidade ao fornecimento de energia local.
Complementa o projeto a construção de um sistema de blindagem e contenção, uma estrutura de aço ou de camadas de aço e chumbo, que envolverá o sistema reator e terá a função de conter a radiação durante a operação e o material radioativo em caso de acidente.
Moreira explica que os processos de refrigeração e condução de calor via heat pipes operam em pressão próxima da atmosférica.
“Nas grandes usinas nucleares, o maior desafio da segurança é manter a refrigeração quando o reator é repentinamente desligado. É a perda de refrigeração que gera o descontrole da pressão e o risco de escape de material radioativo”, conta. “No caso do microrreator, por ter níveis de potência cerca de mil vezes menor do que os reatores de grande porte, se ele for desligado repentinamente é muito mais fácil resfriá-lo.”
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Em um estudo divulgado na revista Nuclear Engineering and Design, em 2024, Moreira e colegas da UFBAC e da Terminus apresentaram os fundamentos e o detalhamento do projeto que norteará a construção do núcleo do microrreator.
Também demonstraram um potencial do ciclo de trabalho do reator em 8,7 anos sem reabastecimento e compararam a iniciativa nacional com três projetos considerados de referência internacional, que apresentam a autossuficiência do combustível limitada a cinco anos.
O enriquecimento de urânio para o microrreator poderá chegar a 20%, enquanto para os grandes reatores comerciais esse nível é de até 5%.
Inicialmente, o microrreator brasileiro empregará dióxido de urânio (UO₂) como combustível. Fornecido pela INB, é o mesmo combustível que abastece as usinas nucleares de Angra dos Reis, no litoral fluminense.
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Reciclagem e Segurança
Em uma etapa mais avançada, quando estiverem em uso comercial, a proposta é reciclar o rejeito radioativo das unidades de Angra para uso como combustível nos microrreatores – na Europa e na Ásia, a reciclagem já ocorre em pequena escala.
O potencial da reciclagem do combustível nuclear e os ganhos proporcionados em termos de redução do tempo para o decaimento da radioatividade quando o material é reaproveitado foram demonstrados em artigo publicado por pesquisadores associados ao projeto na Nuclear Engineering and Design, em 2023.
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O físico Claudio Geraldo Schön, coordenador do curso de engenharia nuclear da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), que não integra o grupo de pesquisa responsável pelo desenvolvimento do microrreator, avalia que esses aparelhos são uma tecnologia segura.
“Se algo diferente de sua operação programada ocorrer, não há risco de evolução para um acidente nuclear. O risco que existe nos grandes reatores está associado à possibilidade de o núcleo radioativo fundir”, explica.
Os microrreatores, esclarece Schön, trabalham com temperatura menor e não há como o núcleo atingir o ponto de fusão. “Isso ocorre nos reatores tradicionais pela falta de líquido refrigerante; e o microrreator não usa fluidos líquidos.”
Também contribui para a segurança desses equipamentos, segundo o pesquisador, o fato de eles terem baixa potência e usarem menos urânio.
Várias empresas e centros de pesquisas públicos e privados de outros países trabalham no desenvolvimento de microrreatores nucleares, mas ainda não há nenhum modelo em operação comercial. A norte-americana Westinghouse e a britânica Rolls-Royce têm projetos avançados na área.
Espera-se que os primeiros aparelhos, de uso exclusivo do Exército dos Estados Unidos, entrem em operação ainda este ano ou em 2026.
O custo inicial do microrreator brasileiro é estimado em cerca de US$ 10 milhões; quando passar a ser fabricado em série, o valor deverá cair. O equipamento terá um custo de geração elétrica em torno de R$ 990 por megawatt-hora (MWh), informa Moreira.
Esse valor o tornaria ligeiramente mais econômico do que os geradores a diesel que são usados para atender a pequenas comunidades na região Norte, que têm custo superior a R$ 1 mil por MWh.
O governo brasileiro já demonstrou interesse em ter mais energia nuclear na matriz elétrica do país.
Em maio, durante visita à Rússia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterou manifestação de seu governo de realizar uma parceria com a estatal nuclear russa Rosatom para adquirir tecnologia de pequenos reatores modulares, conhecidos como SMR (small modular reactors).
Esses aparelhos podem gerar entre 20 MW e 300 MW e operam nos moldes dos reatores tradicionais – para comparação, Angra 1 tem potência instalada de 640 MW e Angra 2 de 1.350 MW. No mundo, só há três SMR em operação, um na China e dois na Rússia.
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No Brasil, a Petrobras tem um acordo com o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) para a avaliação do uso de SMR embarcados para atender a plataformas de petróleo em alto-mar, substituindo as turbinas a gás hoje em uso.
A troca de um sistema por outro deverá reduzir as emissões de GEE.
O físico Giovanni Laranjo Stefani, chefe do Departamento de Engenharia Nuclear da UFRJ e pesquisador de reatores nucleares, avalia que o desenvolvimento no Brasil de tecnologias necessárias para a construção de microrreatores e SMR poderá permitir ao país, considerado neutro em disputas tecnológicas globais, estabelecer-se como fornecedor desses equipamentos para o mercado internacional.
“Também possibilitará ao Brasil contar com uma fonte de energia limpa em emissões de carbono e confiável, que não dependa das oscilações do tempo”, afirma Stefani, que não integra o grupo responsável pelo projeto do microrreator brasileiro. “Essa característica é muito importante para instalações onde a oferta contínua de energia é imprescindível, como hospitais e datacenters.”
Política de Uso
É Livre a reprodução de matérias mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space
BRASIL PROJETA MICRORREATOR NUCLEAR PARA SUBSTITUIR DIESEL
Bibliografia
Revista Pesquisa Fapesp
Brasil inicia o desenvolvimento de microrreatores nucleares
A reportagem acima foi publicada com o título “Compacto e potente” na edição impressa nº 353, de julho de 2025.
CNEN – Gov – Brasil
Com apoio da CNEN, Brasil avança no desenvolvimento de microrreatores nucleares
Artigos científicos
ORLANDI, H. I. et al. Fuel element microreactor integrating a square UO2 fuel rod with an internal heat pipe. Nuclear Engineering and Design. v. 423 . jul. 2024.
ESTANISLAU, F. B. G. L. et al. Assessment of alternative nuclear fuel cycles for the Brazilian nuclear energy system. Nuclear Engineering and Design. v. 415. 15 dec. 2023.