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Atualizado 1 de agosto de 2025 por Sergio A. Loiola

Brasil inicia o desenvolvimento de microrreatores nucleares, e gerar eletricidade para comunidades isoladas e substituir geradores a diesel.

O microrreator brasileiro será instalado nas dependências do reator nuclear de pesquisa Argonauta, no Rio de JaneiroAcervo IEN . Fonte: Pesquisa Fapesp

Nova geração de tecnologias para microrreatores usam combustível atômico seguros, de baixo risco, mais fácil de lidar, obter e descartar.

Os microrreatores são equipamentos de menor porte do que os reatores nucleares convencionais que geram energia por meio da fissão do núcleo atômico.

Nove instituições, entre universidades, institutos de pesquisa e uma diretoria da Marinha do Brasil, e quatro empresas unem esforços para desenvolver no país os meios e a tecnologia necessários para a fabricação de microrreatores nucleares.

Se forem bem-sucedidos, irão incluir o país entre os pioneiros nesse sistema de geração de eletricidade.

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Pouco mais de um quinto dos municípios brasileiros tem até 5 mil habitantes e poderia ser atendido por apenas um microrreator.

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Controlados remotamente e do tamanho de um contêiner de 40 pés, com 12 metros (m) de comprimento por 2,4 m de largura e 2,6 m de altura, os equipamentos poderão ser usados em substituição a geradores de eletricidade a diesel que abastecem comunidades isoladas, indústrias, hospitais, datacenters e outros estabelecimentos que precisam de um sistema alternativo ou complementar ao fornecimento elétrico convencional.

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

O projeto do microrreator brasileiro, programado para ser instalado junto ao reator Argonauta, do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), no Rio de Janeiro, exigirá a superação de vários desafios tecnológicos e poderá proporcionar legados para a pesquisa nuclear brasileira.

Entre os principais suprimentos que irão requerer um esforço local estão a concepção e a produção dos tubos de calor – heat pipes, no jargão nuclear –, capazes de suportar temperaturas de 800 graus Celsius (ºC), e o desenvolvimento da cadeia produtiva da grafita e do berílio.

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A iniciativa ainda está em uma fase intermediária de desenvolvimento. Seu Nível de Maturidade Tecnológica (TRL) atual é o 3, que compreende a demonstração da viabilidade da solução proposta por meio de estudos analíticos ou experimentais em laboratório.

Criada pela Nasa, a agência espacial norte-americana, a escala TRL indica o estágio de desenvolvimento de inovações tecnológicas em diferentes setores da economia. O último nível, 9, significa que a solução se encontra em produção continuada.

O objetivo dos pesquisadores brasileiros é alcançar o estágio TRL 6 em três anos, demonstrando por meio de experimentos específicos as funções críticas da nova tecnologia.

Além da UFABC, participam do projeto as universidades federais do Ceará (UFC), de Minas Gerais (UFMG) e de Santa Catarina (UFSC), o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e o IEN – ambos ligados à Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) –, o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), a Marinha do Brasil, por meio de sua Diretoria de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico, as empresas públicas Amazul – Amazônia Azul Tecnologias de Defesa e Indústrias Nucleares Brasileiras (INB), a startup fluminense Terminus Energia e a companhia catarinense Diamante Geração de Energia.

Tratamento térmico de ligas especiais, no Laboratório de Fornos do IPEN/CNEN (Foto: Ana Paula Freire/CNEN)

A iniciativa tem um orçamento de R$ 50 milhões, sendo R$ 30 milhões em recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), obtidos este ano, e R$ 20 milhões da empresa Diamante.

A tecnologia dos microrreatores é inspirada nos reatores nucleares projetados para gerar energia em missões espaciais.

Eles não utilizarão água ou gás em seu sistema de refrigeração e de condução de calor, como ocorre nas usinas nucleares tradicionais. A recuperação de calor será feita pela tecnologia de heat pipes, a mesma proposta para reatores espaciais (ver infográfico abaixo).

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Aparelho é um reator de pequeno porte de fissão nuclear

O aparelho será composto por um reator de pequeno porte onde ocorrerá a fissão nuclear, ou seja, o processo de divisão do núcleo de átomos de urânio causada por uma reação em cadeia de nêutrons.

O resultado da fissão é a liberação de energia na forma de calor. Os átomos de urânio estarão contidos em varetas de combustível colocadas dentro do reator.

Dr. Francisco Oliveira, pesquisador e chefe da DINUC/IEN, apresentando a ilustração do Microrreator. (Foto: Gledson Júnior/IEN/CNEN)

Os nêutrons gerados pela fissão serão inicialmente de alta energia cinética (velocidade), na casa de 2 milhões de elétron-volts (eV), mas a reação em cadeia da fissão é mais eficiente quando os nêutrons são lentos, com cerca de 1 eV.

Para baixar a energia dos nêutrons, será possível usar grafita ou berílio, denominados moderadores de energia.

A grafita é um composto de carbono sólido, disponível no mercado global. Para usá-la como agente desacelerador, o núcleo do reator precisará ter em torno de 1 metro de diâmetro, informa Moreira. Se for utilizado o berílio, pode ter 60 centímetros.

O calor gerado, em torno de 800 ºC, é conduzido do reator por um conjunto de heat pipes para o trocador de calor do sistema de conversão de potência, que transformará a energia térmica em elétrica.

De acordo com Moreira, dois sistemas tradicionais de conversão de potência estão em análise pela equipe: os ciclos termodinâmicos Stirling e Brayton.

O desenvolvimento de heat pipes capazes de trabalhar a 800 ºC está a cargo das equipes da UFC, UFMG e UFSC.

O núcleo do heat pipes será de sódio puro, um eficiente condutor de calor.

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Segundo o pesquisador da UFABC, não existem dados disponíveis sobre a produção dos tubos de calor adequados para a aplicação nuclear, pois são tratados como segredo industrial por quem detém a tecnologia.

Também compõe o microrreator um sistema que usa barras e tambores rotativos absorvedores de nêutrons para controle da reação de fissão em cadeia do microrreator.

Esse sistema, essencial para a segurança do processo, permite estabilizar, elevar, reduzir ou mesmo zerar o nível de potência do microrreator, desligando-o.

Gerar carboneto de boro é uma tecnologia conhecida, mas o Brasil não fabrica. Caberá ao Ipen desenvolver o processo produtivo, que será posteriormente repassado a eventuais empresas interessadas.

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Contenção e blindagem de aço

Outro desenvolvimento tecnológico que se fará necessário é de um sistema de controle remoto digital para os microrreatores, tarefa a cargo do Inatel e do IEN.

Plataformas no mar do Norte: reatores de pequeno porte poderão ser usados para atender instalações offshore de óleo e gásCarina Johansen / Bloomberg via Getty Images

Nas microrredes, a geração de energia é feita por equipamentos de pequeno porte, geralmente com fonte eólica ou fotovoltaica ou uma combinação de fontes.

No caso, o microrreator nuclear poderá trabalhar isolado ou em conjunto com geradores intermitentes, que dependem da incidência de sol ou vento, dando estabilidade ao fornecimento de energia local.

Complementa o projeto a construção de um sistema de blindagem e contenção, uma estrutura de aço ou de camadas de aço e chumbo, que envolverá o sistema reator e terá a função de conter a radiação durante a operação e o material radioativo em caso de acidente.

Moreira explica que os processos de refrigeração e condução de calor via heat pipes operam em pressão próxima da atmosférica.

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Em um estudo divulgado na revista Nuclear Engineering and Design, em 2024, Moreira e colegas da UFBAC e da Terminus apresentaram os fundamentos e o detalhamento do projeto que norteará a construção do núcleo do microrreator.

Também demonstraram um potencial do ciclo de trabalho do reator em 8,7 anos sem reabastecimento e compararam a iniciativa nacional com três projetos considerados de referência internacional, que apresentam a autossuficiência do combustível limitada a cinco anos.

O enriquecimento de urânio para o microrreator poderá chegar a 20%, enquanto para os grandes reatores comerciais esse nível é de até 5%.

Inicialmente, o microrreator brasileiro empregará dióxido de urânio (UO₂) como combustível. Fornecido pela INB, é o mesmo combustível que abastece as usinas nucleares de Angra dos Reis, no litoral fluminense.

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Reciclagem e Segurança

Em uma etapa mais avançada, quando estiverem em uso comercial, a proposta é reciclar o rejeito radioativo das unidades de Angra para uso como combustível nos microrreatores – na Europa e na Ásia, a reciclagem já ocorre em pequena escala.

O potencial da reciclagem do combustível nuclear e os ganhos proporcionados em termos de redução do tempo para o decaimento da radioatividade quando o material é reaproveitado foram demonstrados em artigo publicado por pesquisadores associados ao projeto na Nuclear Engineering and Design, em 2023.

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O físico Claudio Geraldo Schön, coordenador do curso de engenharia nuclear da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), que não integra o grupo de pesquisa responsável pelo desenvolvimento do microrreator, avalia que esses aparelhos são uma tecnologia segura.

Também contribui para a segurança desses equipamentos, segundo o pesquisador, o fato de eles terem baixa potência e usarem menos urânio.


Várias empresas e centros de pesquisas públicos e privados de outros países trabalham no desenvolvimento de microrreatores nucleares, mas ainda não há nenhum modelo em operação comercial. A norte-americana Westinghouse e a britânica Rolls-Royce têm projetos avançados na área.

Espera-se que os primeiros aparelhos, de uso exclusivo do Exército dos Estados Unidos, entrem em operação ainda este ano ou em 2026.

O custo inicial do microrreator brasileiro é estimado em cerca de US$ 10 milhões; quando passar a ser fabricado em série, o valor deverá cair. O equipamento terá um custo de geração elétrica em torno de R$ 990 por megawatt-hora (MWh), informa Moreira.

Esse valor o tornaria ligeiramente mais econômico do que os geradores a diesel que são usados para atender a pequenas comunidades na região Norte, que têm custo superior a R$ 1 mil por MWh.

O governo brasileiro já demonstrou interesse em ter mais energia nuclear na matriz elétrica do país.

Em maio, durante visita à Rússia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reiterou manifestação de seu governo de realizar uma parceria com a estatal nuclear russa Rosatom para adquirir tecnologia de pequenos reatores modulares, conhecidos como SMR (small modular reactors).

Esses aparelhos podem gerar entre 20 MW e 300 MW e operam nos moldes dos reatores tradicionais – para comparação, Angra 1 tem potência instalada de 640 MW e Angra 2 de 1.350 MW. No mundo, só há três SMR em operação, um na China e dois na Rússia.

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No Brasil, a Petrobras tem um acordo com o Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) para a avaliação do uso de SMR embarcados para atender a plataformas de petróleo em alto-mar, substituindo as turbinas a gás hoje em uso.

A troca de um sistema por outro deverá reduzir as emissões de GEE.

O físico Giovanni Laranjo Stefani, chefe do Departamento de Engenharia Nuclear da UFRJ e pesquisador de reatores nucleares, avalia que o desenvolvimento no Brasil de tecnologias necessárias para a construção de microrreatores e SMR poderá permitir ao país, considerado neutro em disputas tecnológicas globais, estabelecer-se como fornecedor desses equipamentos para o mercado internacional.

Política de Uso 

É Livre a reprodução de matérias mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space   

BRASIL PROJETA MICRORREATOR NUCLEAR PARA SUBSTITUIR DIESEL

Bibliografia

Revista Pesquisa Fapesp

Brasil inicia o desenvolvimento de microrreatores nucleares

A reportagem acima foi publicada com o título “Compacto e potente” na edição impressa nº 353, de julho de 2025.

CNEN – Gov – Brasil

Com apoio da CNEN, Brasil avança no desenvolvimento de microrreatores nucleares

Artigos científicos
ORLANDI, H. I. et al. Fuel element microreactor integrating a square UO2 fuel rod with an internal heat pipe. Nuclear Engineering and Design. v. 423 . jul. 2024.
ESTANISLAU, F. B. G. L. et al. Assessment of alternative nuclear fuel cycles for the Brazilian nuclear energy system. Nuclear Engineering and Design. v. 415. 15 dec. 2023.

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