Pesquisadores da Alemanha descobriram que Lêmures, que vivem na Ilha de Madagascar usam a substância encontrada em um artrópode como repelente contra parasitas com efeitos alucinógenos nessas espécies.
A pesquisa foi publicada no periódico Primates.
Lêmure-da-face-vermelha utiliza piolhos-de-cobra para lutar contra as parasitas, de acordo com nova pesquisa. Foto de Louise Peckre
Com a pesquisa foi possível analisar o comportamento dos lêmures que mascavam o bicho ou então massageavam o piolho-de-cobra, um conhecido artrópode, contra o próprio corpo para se proteger.
Alguns animais chegam a se queimar com a substância que é altamente tóxica para espécies silvestres.
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É como se fosse um ‘repelente ‘. A substância tem um odor muito forte que tem efeito de uma droga psicoativa, causa uma confusão neurológica momentânea. O que faz os parasitas se afastarem.
Nós raramente podemos sentir esse cheiro mas para olfatos sensíveis dos animais, é altamente tóxico”, detalha o educador ambiental, Matheus Mesquita.
O lêmure-marrom-de-frente-vermelha (Eulemur rufifrons) é um aespécie “quase ameaçada” na lista da UICN. Já o lêmure-vermelho(Eulemur rufus), outra espécie criada pela nova classificação, está em uma categoria de ameaça um pouco mais inquietante e é listado como “vulnerável” pela UICN, principalmente devido à caça ilegal.
Lemures usam gongolos como ‘repelente de predadores’ — Foto: Frank Augstein/AP
Ambas as espécies (Eulemur rufus e Eulemur rufifrons) são encontradas na costa oeste de Madagascar e o Rio Tsiribihina é considerado como a fronteira entre as duas: rufus habitando a área ao norte do largo rio e rufifrons ao sul.
Os piolho-de-cobra ou gongolo (Diplopoda) usados como repelentes e alucinógenos pelos Lêmures Não são da família das lacraias
A substância que os artropodes piolho-de-cobra ou gongolo (Diplopoda) liberam no corpo dos Lêmures é a ‘benzoquinona’ que tem propriedades antibacterianas gera reações químicas em alguns animais silvestres. Com efeitos alucinôgenos sobres os Lemures.
Piolhos-de-cobra produzem compostos tóxicos, como a benzoquinona, que normalmente os torna intragáveis para os predadores. Foto de Louise Peckre
Os Lêmures conhecem essas artrodes e sabem usar para varios fins.
Esfregam no corpo para usar como repelentes de parasitas, e tambem fazem pequenas mordidas no artrópode para que liberem mais substâncias, para obter deliberadamente o efeito alucinógeno.
É curioso observar que os Lêmures nem sempre matam o artrópode. Após usar o animal, em alguns casos eles o liberam no chão da floresta.
Assim, alem de mecanismo de defesa a substancia contida no artropode é tambem para uso recreativo. Embora possam parecer estranhos à primeira vista, os lêmures têm uma maneira peculiar de lidar com essas criaturas venenosas.
Vídeo: LÊMURES USAM ALUCINOGENOS E REPELENTE
Principalmente usam como um repelente natural contra mosquitos, em especial aqueles transmissores da malária. No entanto, o uso desses artropodes tem consequência inusitada para os lêmures.
As toxinas presentes no veneno funcionam também como um poderoso psicodélico, afetando seu sistema nervoso, deixando-os letárgicos e podem apresentar comportamento alterado de consciência, como se estivessem drogados.
Os piolho-de-cobra ou gongolo (Diplopoda) embora sejam comparados com lacraias, as espécies não possuem semelhança.
Lacraia é venenosa, e não pertence a família dos gongolos — Foto: Reprodução
“Lacraias e centopeias são venenosas. Elas tem ferrão, mandíbula, toxina e são mais rápidas. O ataque desse bicho é extremamente dolorido e visualmente falando, elas são mais asquerosas. Já os piolhos-de-cobra são menores, dificilmente chegam a 10 centímetros de comprimento, são mais lentos, se enrolam quando se sentem ameaçados e liberam essa substância que é incolor e não causa nenhum tipo de ferimento”, afirma Matheus Mesquita
Lêmures podem estar utilizando o piolho-de-cobra como medicamento
Lêmures-da-face-vermelha entram na crescente lista de animais que utilizam plantas e outros animais para o tratamento de doenças.
Em novembro de 2016, a especialista em comportamento animal Louise Peckre presenciou um lêmure-da-face-vermelha fêmea pegar um piolho-de-cobra gigante na Floresta de Kirindy em Madagascar.
Lêmure-da-face-vermelha rói piolho-de-cobra gigante com sua cauda ainda molhada de saliva e toxinas laranjas que os piolhos-de-cobra expelem. Foto de Japan Monkey Centre and Springer Japan KK, part of Springer Nature 2018
A criatura alternou entre mascar o bicho nocivo e massageá-lo em sua pele em volta de seu rabo e órgãos sexuais. Por fim, ela enfiou o artrópode goela abaixo. Relatou a pesquisadora
Enquanto Peckre observava, esse lêmure encontrou mais dois piolhos-de-cobra e repetiu tudo. Quando terminou, seus membros inferiores estavam visivelmente encharcados com uma mistura espumante de saliva e secreções laranjas elétricas do artrópode.
No final desse mesmo dia, ela observou cinco outros lêmures de grupos distintos agindo da mesma forma. Os animais nunca haviam sido vistos comendo e esfregando esses bichos por seus corpos.
Mas o que isso significa?
Vídeo: A “viagem” psicodélica dos lêmures
Em um artigo publicado no periódico Primates, ela e seus coautores argumentam categoricamente que os lêmures-da-face-vermelha podem estar utilizando as secreções do piolho-de-cobra para automedicação contra parasitas intestinais.
Toxinas e assaduras: Por que eles esfregam as toxinas em suas genitais?
Para entender porque os lêmures-da-face-vermelha esfregam as toxinas em suas genitais, primeiro é preciso entender que essa espécie possui uma variedade de parasitas gastrointestinais maior do que qualquer outra espécie.
Além disso, alguns desses nematoides podem causar assaduras que coçam a traseira dos lêmures quando minhocas adultas saem pelo ânus e colocam seus ovos na pele circundante.
Estudos mostraram que um dos químicos tóxicos que os piolhos-de-cobra produzem é chamado de benzoquinona, uma substância que comprovadamente possui propriedades inseticidas e antimicrobianas.
Ao mesmo tempo que a benzoquinona é provavelmente utilizada pelos piolhos-de-cobra para que não sejam comidos, os lêmures aprenderam como extrair a química para o próprio uso.
Derek Hennen, entomologista que estuda piolhos-de-cobra na Virginia Tech, afirma que esfrega-los com força é uma tática inteligente dos lêmures.
“Os piolhos-de-cobra eliminam mais toxinas quando são constantemente incomodados”, afirma Hennen. “Se eles irrompessem em toxinas imediatamente com um simples esbarrão, não seria uma boa defesa, pois é necessário um tempo para a produção de novas toxinas”. (Veja também: Briga entre aranha-camelo e piolho-de-cobra em um vídeo raro)
O próximo passo, afirma Peckre, será testar de forma experimental se a benzoquinona mata ou impede que parasitas específicos se aproximem de lêmures-da-face-vermelha.
Hennen também desconhecia qualquer caso de animais que comem piolho-de-cobra para fins medicinais.
Melhor remédio?Doses de piolho-de-cobra podem ajudar a evitar infestações parasitárias futuras
Não sendo os piolhos-de-cobra uma fonte alimentícia benéfica para os lêmures-da-face-vermelha, Peckre e seus coautores apresentam a hipótese de que os animais podem estar comendo-os por outros motivos.
Especificamente, os cientistas acreditam que algumas doses de piolho-de-cobra podem ajudar a evitar infestações parasitárias futuras.
Não está claro como os animais conseguem tolerar os artrópodes venenosos, mas o comportamento de esfregá-los pode ajudar a desintoxicar os piolhos-de-cobra.
Um comportamento similar foi observado em pássaros que esfregam ácido fórmico expelido pelas formigas em suas penas, possivelmente como uma forma de deixar essas formigas com um gosto melhor.
Estranhamente, a análise fecal mostrou que lêmures-da-face-vermelha apresentam um pico de parasitas no início da estação chuvosa, é exatamente nessa época do ano que os piolhos-de-cobra começam a emergir da terra.
É como se a farmácia dos lêmures ficasse disponível exatamente quando eles mais precisam.
Huffman, que estudou amplamente a automedicação dos animais, continua não acreditando que os animais estão pensando no futuro.
“A resposta curta aqui é, não, não existe nenhuma evidência sólida de tratamento preventivo dos animais”, afirma Huffman.
Entretanto, ele diz que todos os animais do planeta estão propensos a doenças e parasitas. Então, faz sentido que cada espécie encontre formas de “lidar com o desconforto para voltar para o seu estado ‘normal’”, diz ele.
Mas ainda não há provas se os animais fazem isso intencionalmente.
Peckre afirma que existem muitos mistérios sobre os lêmures que estimulam maiores esforços para a conservação dos ecossistemas em que habitam.
Cerca de 95% das espécies de lêmures estão em risco de extinção, de acordo com um encontro recente realizado com os principais cientistas dos primatas.
“O local onde vivem está de fato ameaçado pelo desflorestamento,” afirma Peckre. “Portanto, é uma luta diária [simplesmente] conseguir fazer uma pesquisa aqui”.
Por exemplo, foi descoberto recentemente que os orangotangos mascam folhas com propriedades anti-inflamatórias e posteriormente aplicam-nas em sua pele.
Outros tipos de lêmures, chimpanzés, ursos-pardos e ouriços estão entre os animais que têm um comportamento chamado de autounção.
“Alguns utilizam plantas, outros formigas e piolho-de-cobra”, afirma Michael Huffman, do Instituto de Pesquisa de Primatas da Universidade de Quioto.
É curioso, de acordo com Huffman que essa é a primeira vez que foi documentada a ingestão de piolho-de-cobra para um possível uso medicinal. Normalmente os animais aplicam os piolhos-de-cobra superficialmente.
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