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Atualizado 11 de julho de 2025 por Sergio A. Loiola

Proteínas vegetais aprimoram produção de carne de laboratório. Proteínas de produção agrícola podem reduzir custos e tornar a carne obtida a partir de células animais cultivadas em laboratório ainda mais semelhante à convencional.

Uma equipe da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) criou com resíduos vegetais uma possível alternativa ao soro fetal bovino, ingrediente de alto custo usado na produção de carne a partir de células animais cultivadas.

Filé de frango com células cultivadas da Upside FoodsUpside Foods

Paralelamente, pesquisadores do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet-MG) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) encontraram uma forma de obter carne estruturada, semelhante a um bife, usando polímeros degradáveis de origem vegetal em vez de colágeno, proteína de origem animal tradicionalmente usada com essa finalidade.

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Pesquisas animadoras, com desafios a serem superados

As perspectivas são animadoras, ainda que grupos de pesquisa em universidades e de empresas reconheçam que vários desafios precisam ser superados para as novidades chegarem aos restaurantes e refrigeradores dos supermercados.

Em março de 2025, entrou em vigor a Resolução nº 839 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que regulamenta o registro de alimentos e ingredientes inovadores.

Resíduos vegetais usados como opção ao soro fetal (sentido horário, da esq. para a dir.): farelos de soja, de amendoim, milho, girassol, bagaço de cana e amêndoa de babaçuLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

Por enquanto, apenas três países – Singapura, Estados Unidos e Israel – aprovaram a regulamentação para a produção e a venda de carne cultivada.

Desde 2013, quando o fisiologista holandês Mark Post, da Universidade de Maastricht, na Holanda, apresentou o protótipo do primeiro hambúrguer in vitro, os investimentos nessa área chegaram a U$ 3,1 bilhões, segundo a GFI.

Os Estados Unidos lideram, com 45 das 174 empresas especializadas no cultivo de células para a produção de carne ou de insumos.

ciência da carne cultivada e os desafios que devem ser enfrentados para a produção comercial.

O Brasil entrou nesse levantamento com três startups, duas companhias transnacionais, os grupos JBS e BRF, e 21 equipes de pesquisa. Nenhum país alcançou até hoje a produção em larga escala.

Prontidão tecnológica é um método que avalia o grau de maturidade de uma tecnologia ao longo de seu desenvolvimento, produção e comercialização.

“Ainda está mais na fase de pesquisa do que de produção.”

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Alternativas ao soro fetal


Atenta aos problemas e perspectivas dessa área, a engenheira de alimentos Rosana Goldbeck, da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, começou a buscar em 2021 alternativas ao soro fetal bovino.

Multiplicação de células musculares (núcleos em azul) em meio de cultura proteico (amarelo) da Mosa Meat; e gordura cultivada suína da cellva (à dir.)Mosa Meat | Natália Alves / cellva

Bastante usada nos campos de engenharia de tecidos e medicina regenerativa, a substância é extraída do sangue de fetos de vacas prenhas enviadas para abate. É um insumo eficiente para a multiplicação das células, mas caro para a produção em escala industrial.

No doutorado, a engenheira química Bárbara Flaibam, orientanda de Goldbeck, encontrou um substituto: resíduos vegetais, como farelos de soja, de amendoim e de girassol, levedo de cerveja e subprodutos da produção do etanol do milho.

De acordo com os experimentos, detalhados em artigo publicado em maio na revista Innovative Food Science and Emerging Technologies, os hidrolisados proteicos foram bastante efetivos como substitutos parciais do soro bovino.

Vídeo: O que é a Carne cultivada, e quando ela estará disponivel para consumo?

Entretanto, o soro é uma mistura com outros componentes, como fatores de crescimento e hormônios, essenciais para a proliferação celular.

Ainda assim, ela defende que a substituição seria positiva do ponto de vista financeiro, pois a disparidade de custo entre o soro fetal e as alternativas vegetais é gigante.

Segundo Goldbeck, o soro fetal bovino corresponde a 95% do custo de produção da carne cultivada.

Algumas empresas do setor, como a holandesa Mosa Meat, a israelense Aleph Farms e a norte-americana Upside Foods, anunciam em seus sites que já produzem alimentos sem soro fetal bovino, mas não divulgam as substâncias empregadas.

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Alternativa à base de polímeros biodegradáveis de extrato de sementes do urucum (Bixa orellana), com propriedades regenerativas e antibacterianas

Em Minas Gerais, uma equipe do Cefet encarou outro desafio: desenvolver uma carne de laboratório parecida com um bife, com uma forma tridimensional mais complexa do que a massa proteica usada na produção de um nugget ou de um hambúrguer.

Análise topográfica e de superfície de CAN aleatório (rCAN) e CAN alinhado (aCAN). Avaliação morfológica de rCAN e aCAN por meio de microscopia eletrônica de varredura (MEV).  (A) Imagens de MEV de CANs aleatórios e (E) alinhados com ampliação de 50.000x. Escala, 2 μm; Distribuição de diâmetro de (B) CAN 
aleatório e (F) alinhado ( n  = 200 fibras independentes examinadas em três amostras independentes). Imagens de microscopia de força atômica (AFM) de 
(C). Fonte : https://www.frontiersin.org/journals/nutrition/articles/10.3389/fnut.2023.1297926/full

A estratégia mais usada com essa finalidade são as estruturas denominadas scaffolds – espécie de matriz artificial com arranjo tridimensional –, feitas geralmente de colágeno.

A equipe coordenada pela física Aline Bruna da Silva e pela química Roberta Viana fez uma alternativa à base de polímeros biodegradáveis contendo extrato de sementes extraídas do urucum (Bixa orellana), que tem propriedades regenerativas e antibacterianas.

O trabalho resultou na criação de uma spin-off acadêmica, a Biomimetic Solutions, que pretendia produzir e vender esse tipo de material.

Diversos tipos de materiais poliméricos foram testados, como as nanofibras de acetato de celulose, descritas em um artigo de janeiro de 2024 na Frontiers in Nutrition.

A empresa não vingou, mas duas fundadoras, Silva e a engenheira de materiais Lorena Viana Souza, criaram outra startup, a Moondo, em 2022, para produzir carne de peixe.

Em 2023, como pesquisadora do Cefet, ela participou da produção de um dos primeiros protótipos de carne estruturada do Brasil, um pequeno pedaço de filé de frango, em conjunto com pesquisadores da UFMG.

Exemplo de multiplicação e construção: Estabelecimento da metodologia de empilhamento. Ilustração esquemática da formação tridimensional de tecidos por empilhamento de células cultivadas em rCAN  . Células  5 ×  . Fonrte : https://www.frontiersin.org/journals/nutrition/articles/10.3389/fnut.2023.1297926/full

Segundo Souza, diretora de operações da Moondo, elas trabalham na captação de recursos e procuram uma incubadora para abrigar o laboratório da empresa. Enquanto isso, as pesquisas da startup são feitas em parceria com a UFMG e com o Cefet.

Outras empresas estão mais avançadas, como a cellva, que pretende iniciar a produção em escala industrial de gordura suína cultivada em laboratório daqui a dois anos.

Decidida a entrar no campo da carne cultivada, em 2021 criou outra start-up, a Ambi Real Food, acumulando as funções de diretora científica das duas empresas.

Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e a colaboração de pesquisadores das universidades Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), a startup produziu um hambúrguer a partir de células bovinas cultivadas, um dos primeiros do país.

Em 2022, a Ambi Real Food fundiu-se com a cellva e trocou o hambúrguer pela gordura suína.

A cellva também aposta na produção de microcarreadores vegetais (pequenas estruturas nas quais as células se fixam quando colocadas dentro do biorreator na etapa de expansão celular) e microesferas (que permitem o encapsulamento de substâncias para agregar sabor e nutrientes ao produto).

Em 2021, durante um projeto para desenvolvimento de um filé de frango sustentável, sintetizado em laboratório e apoiado pelo GFI, a engenheira de alimentos Vivian Feddern, então líder da iniciativa, e a veterinária Ana Paula Bastos, ambas da unidade Suínos e Aves da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Concórdia, Santa Catarina, perceberam a necessidade de um banco de células para o mercado de carne cultivada.

A ideia se fortaleceu durante a I Jornada de Carne Cultivada promovida pela Embrapa em Santa Catarina, em agosto de 2022.

O banco de células, estima Bastos, poderá estar pronto em cinco anos: “Já temos bastante célula de frango e estamos começando com suínos e bovinos”.

De acordo com uma estimativa da empresa da consultoria norte-americana AT Kearney, em 2040, o mundo consumirá 35% de carne celular, 25% de carne produzida à basede plantas e 40% de carne convencional.

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Carne cultivada ainda não é vendida no país, mas pode ser encontrada em lojas e restaurantes de Singapura e dos Estados Unidos

Por enquanto, um brasileiro que queira saborear um prato de carne cultivada em um restaurante terá de viajar quase 17 mil quilômetros. Estão em Singapura os dois únicos restaurantes que já incluíram no cardápio o Forged Parfait, produto da startup australiana Vow, voltada ao mercado de luxo.

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A partir do cultivo de células de codorna japonesa, a Vow produziu um patê com a aparência de um foie gras (patê de fígado de ganso ou pato), servido como ingrediente ou complemento de pratos sofisticados.

Outra possibilidade, também em Singapura, é comprar um frango cultivado da marca Good Meat na seção de congelados do Huber’s Butchery.

Produzido pela empresa californiana Eat Just, o alimento é um híbrido feito a partir de 3% de carne cultivada e 97% de carne à base de plantas. Lançado no mercado em maio deste ano, vem em pacote de 120 gramas e custa o equivale a R$ 28.

Esses produtos chegaram a ser ofertados em um restaurante de Singapura e em dois dos Estados Unidos, mas por pouco tempo.

Em fevereiro de 2024, os fabricantes anunciaram a interrupção da parceria com os restaurantes, a fim de concentrar esforços na produção em escala e na redução de custos.

Em janeiro de 2025, Israel concedeu autorização à empresa Aleph Farms para a comercialização de seu Petit Steak e poderá ser o primeiro país a vender carne cultivada bovina. Em seu site, a empresa anuncia que o produto estará no mercado “em breve”.

Política de Uso 

É Livre a reprodução de matérias mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space 

CARNE CULTIVADA DE CÉLULA ANIMAL COM PROTEÍNA VEGETAL

Bibliografia

Revista Pesquisa Fapesp

Proteínas vegetais aprimoram produção de carne de laboratório

A reportagem acima foi publicada com o título “Novas formas de fazer carnes” na edição impressa nº 343, de setembro de 2024.

Artigos científicos


FLAIBAM, B. et alLow-cost protein extracts and hydrolysates from plant-based agro-industrial waste: Inputs of interest for cultured meatInnovative Food Science and Emerging Technologies. v. 93, 103644. mai. 2024.
SANTOS, A. E. A. et alRandom cellulose acetate nanofibers: A breakthrough for cultivated meat productionFrontiers in Nutrition. v. 10. 4 jan. 2024.
YUN, S. H. et alCurrent research, industrialization status, and future Perspective of Cultured MeatFood Science of Animal Resources Food. v. 44, n. 3, p. 570-85. 1º mai. 2024.
BATTLE, M. et al. 2023 State of the industry report: Cultivated meat and seafoodThe Good Food Institute. 2024.
BENSON, L.; GREENE, J. L. Cell-cultivated meat: An OverviewCongressional Research Service. set. 2023.
FEDDERN, V. et al. I Jornada de Carne Cultivada: uma visão sistêmica sobre terminologias, aspectos legais, nutricionais, considerações sobre consumidor e mercado potencial, métodos e meios de cultivoEmbrapa Suínos e Aves. dez. 2022.

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