Atualizado 3 de junho de 2025 por Sergio A. Loiola
A cera de ouvido pode virar o exame do futuro, cientistas descobriram que o cerume guarda mais informações metabólicas que o sangue e suor. Podendo a cera de ouvido se tornar a base de exames, diagnósticos e prevenção de doenças.
Pesquisas recentes revelam que o cerume pode indicar desde diabetes até câncer, Parkinson e Alzheimer, abrindo novas portas para diagnósticos precoces.
Além de proteger o ouvido, a cera carrega informações valiosas sobre o metabolismo.

Cientistas já estudam seu uso para identificar até mesmo Covid-19 e problemas cardíacos, tornando-a uma aliada surpreendente da medicina.
Em alguns casos, por meio da cera do ouvido, essa substância também pode indicar se uma pessoa tem diabetes do tipo 1 ou 2.
“Nosso interesse na cera do ouvido como indicadora de doenças está voltado para aquelas doenças muito difíceis de diagnosticar usando fluidos como sangue e urina, e que demoram muito tempo para serem diagnosticadas por serem raras”, destaca Rabi Ann Musah, química ambiental da Universidade do Estado da Louisiana.
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Da produçao da cera de ouvido aos exames e disgnosticos
Antes de seguir para o estado da arte das pesquisas sobre o uso da cera de ouvido em exames, vamos compreender o que é a cera.
O cerume, nome científico da cera, é produzido por duas glândulas no ouvido: a ceruminosa e a sebácea.

Ele se mistura com pele morta, cabelos e outros resíduos, formando a substância que conhecemos.
Existem dois tipos de cera:
1- A molhada, alaranjada e pegajosa, e
2- A seca, acinzentada e menos grudenta.
Enquanto a primeira é comum em descendentes de africanos e europeus, 95% dos asiáticos orientais produzem a versão seca.
Por exemplo, a grande maioria de pessoas com ascendência europeia ou africana tem uma cera de ouvido úmida, na cor amarela ou laranja, e com aspecto pegajoso.
Já 95% das pessoas do leste asiático têm uma cera de ouvido seca, na cor cinza, e que não é grudenta.
O gene responsável pela produção da cera úmida e seca é chamado ABCC11, que também está ligado a um outro traço curioso: o odor das axilas.
Cerca de 2% das pessoas, principalmente as com cera seca, têm uma versão desse gene que faz com que suas axilas não tenham cheiro.
Contudo, talvez a descoberta mais útil relacionada à cera do ouvido é o que ela pode revelar sobre a nossa saúde.
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As características importantes da cera do ouvido para exames
Mas o que a cera do ouvido tem que faz dela um verdadeiro tesouro de informações sobre a saúde?
A resposta, ao que parece, está na capacidade das secreções cerosas de refletirem as reações químicas que acontecem dentro do nosso corpo, ou seja, o metabolismo de uma pessoa.
Vídeo: CERA NO OUVIDO: QUAIS OS SINTOMAS? O QUE FAZER?
“Muitas doenças em organismos vivos são metabólicas”, diz Nelson Roberto Antoniosi Filho, professor de química da Universidade Federal de Goiás. Ele lista diabetes, câncer, Parkinson e Alzheimer como exemplos.
“Nesses casos, as mitocôndrias — organelas celulares responsáveis por converter lipídios, carboidratos e proteínas em energia — passam a funcionar de maneira diferente das células saudáveis. Elas começam a produzir diferentes substâncias químicas e podem até parar de produzir outras.”
O laboratório de Antoniosi Filho descobriu que a cera do ouvido concentra essa grande diversidade de substâncias mais do que outros fluidos biológicos, como sangue, urina, suor e lágrimas.

“Isso faz muito sentido porque não há muita renovação na cera do ouvido”, diz Bruce Kimball, químico no Monell Chemical Senses Centre, um instituto de pesquisa na Filadélfia.
“Ela acaba se acumulando e, por isso, há uma razão para se pensar que pode ser um bom lugar para identificar as mudanças do metabolismo a longo prazo.”
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Exames e Diagnósticos difíceis
Com isso em mente, Antoniosi Filho e seu grupo estão desenvolvendo um “cerumenograma”, um instrumento de diagnóstico que, segundo eles, é capaz de prever com precisão se uma pessoa tem certos tipos de câncer a partir da sua cera do ouvido.
Em um estudo publicado em 2019, o grupo coletou amostras de cera do ouvido de 52 pacientes com linfoma, carcinoma ou leucemia. Os pesquisadores também coletaram cera do ouvido de 50 pessoas saudáveis para comparação.
Eles então analisaram as amostras usando um método capaz de detectar com precisão a presença de compostos orgânicos voláteis COVs) — substâncias químicas que evaporam facilmente no ar.

Os pesquisadores identificaram 27 compostos na cera do ouvido que funcionam como uma espécie de impressão digital no diagnóstico do câncer.
Em outras palavras, o grupo conseguiu prever com 100% de precisão se alguém tinha câncer (linfoma, carcinoma ou leucemia) baseado nas concentrações dessas 27 moléculas.
Curiosamente, o teste não conseguiu distinguir entre diferentes tipos de câncer, sugerindo que essas moléculas são produzidas pelas células cancerígenas, ou em resposta a elas, em todos esses tipos da doença.
“Embora o câncer consista em centenas de doenças, do ponto de vista metabólico, o câncer é um único processo bioquímico, que pode ser detectado em qualquer estágio por meio da avaliação de COVs específicos”, explicou Antoniosi Filho.
Apesar de em 2019 o grupo ter identificado 27 COVs, atualmente os pesquisadores estão focando em um número pequeno deles que são produzidos exclusivamente por células cancerígenas como parte de seu metabolismo único.
Em um estudo ainda não publicado, Antoniosi Filho diz que também demonstrou que o cerumenograma é capaz de detectar as alterações metabólicas que ocorrem nos estágios pré-câncer, quando as células exibem mudanças anormais que podem potencialmente levar ao câncer, mas que ainda não são cancerígenas.
“Considerando que a medicina indica que a maioria dos cânceres diagnosticados no estágio 1 tem até 90% de taxa de cura, é concebível que o sucesso no tratamento seja muito maior com o diagnóstico em estágios pré-câncer.”
Possíveis diagnósticos para doenças degenerativas
O grupo de pesquisa também está estudando se as alterações metabólicas causadas pelo início de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer, poderiam ser detectadas por esse tipo de dispositivo, embora esse trabalho ainda esteja em estágio inicial.
“No futuro, esperamos que o cerumenograma se torne um exame clínico de rotina, feito preferencialmente a cada seis meses, que permita, com uma pequena porção de cera do ouvido, diagnosticar simultaneamente doenças como diabetes, câncer, Parkinson e Alzheimer, além de avaliar as mudanças metabólicas decorrentes de outras condições de saúde”, afirma Antoniosi Filho.
Recentemente, o hospital Amaral Carvalho, em São Paulo, adotou o cerumenograma como uma técnica de diagnóstico e monitoramento para o tratamento de câncer.
Musah também acredita que a pesquisa dela vai um dia ajudar pessoas que sofrem da doença de Ménière, uma condição para a qual atualmente não há cura.
Ela espera validar seus testes em uma amostra maior de pacientes na clínica, antes de produzir um teste diagnóstico que possa ser usado pelos médicos em seus consultórios.
“Estamos atualmente trabalhando no desenvolvimento de um kit de testes muito similar ao que tivemos durante a Covid-19, que as pessoas podiam comprar e testar nelas mesmas”, detalhou Musah.
Entendendo a cera do ouvido
Segundo Musah, a simples observação de que os níveis de três ácidos graxos estão muito baixos em comparação ao de uma cera normal pode nos dar algumas pistas do que pode ser investigado mais a fundo.
“Talvez isso nos ajude a entender o que causa a doença, ou mesmo sugerir maneiras para tratá-la”, afirma.
Musah diz que ainda é preciso muito trabalho para entender a composição química de uma cera de um ouvido saudável, e como ela muda em diferentes estados da doença.
Mas ela espera que que um dia isso possa ser usado em hospitais para diagnosticar doenças, assim como é feito com o sangue atualmente.
“A cera do ouvido é uma matriz realmente incrível para se usar porque é rica em lipídios, e há várias doenças que são um consequência da desregulação do metabolismo de lipídico.”
Perdita Barran, química e professora na Universidade de Manchester, na Inglaterra, não estuda a cera do ouvido especificamente, mas faz análise biológica de moléculas e investiga se elas pode ser usada para diagnosticar doenças.
Ela concorda que, em teoria, faz sentido que a cera do ouvido possa ser usada para detectar sinais de doenças.
“Os compostos que você encontra no sangue tendem a ser solúveis em água, enquanto a cera do ouvido é rica em lipídio, e lipídios não gostam de água”, disse Barran.
“Então, se você estudar apenas o sangue, você vai obter metade de um quadro. Os lipídios são como um canário em uma mina de carvão. Eles são os que começam a mudar primeiro.”
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CERA DE OUVIDO SERÁ BASE DE EXAMES E DIAGNÓSTICOS
Bibliografia
BBC