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Atualizado 21 de junho de 2025 por Sergio A. Loiola

Cientistas desenvolvem modelos inovadores de próteses e exoesqueletos para pessoas amputados e com deficiência física. Em fase de protótipo, dispositivos criados por novos centros de pesquisa buscam melhor custo-benefício

Uma prótese transtibial – um dispositivo para pessoas que passaram por amputação da perna abaixo do joelho – feita de bambu e resina de mamona está perto de virar um produto comercial por um preço mais acessível do que os aparelhos construídos com insumos importados de fibra de carbono e resina epóxi, como as próteses disponibilizadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A tecnologia, desenvolvida na Universidade Estadual Paulista (Unesp), foi patenteada pela Agência Unesp de Inovação (Auin) e já há uma negociação avançada com uma empresa interessada em fabricá-la.

De acordo com o pesquisador, que fez graduação, mestrado e doutorado na Faculdade de Arquitetura, Artes, Comunicação e Design (FAAC) da Unesp, campus de Bauru, o bambu apresenta propriedades mecânicas muito parecidas com as da fibra de carbono, com a vantagem de ser um biomaterial barato e abundante no Brasil.

A oferta de uma prótese nacional com preço mais acessível, avalia Santos, poderá permitir ao SUS reduzir a fila de espera pelo equipamento.

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Alta demanda de trinta mil amputações por ano

Segundo a Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular, apenas em 2022 um total de 31.190 pessoas passaram por amputações de pés ou pernas na rede pública de saúde, uma média de 85 por dia.

Vídeo: Como conseguir sua prótese – 5 caminhos possíveis!

De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 o Brasil somava 7,8 milhões de pessoas com deficiência física em membros inferiores (pés e pernas) e 5,4 milhões com deficiência em membros superiores (braços e mãos).

Na fabricação de compósitos reforçados por bambu, explica o designer, as lâminas são retiradas da região externa do vegetal próxima à casca, a parte com maior quantidade de fibras, e coladas com resina de mamona.

Essa versatilidade se dá porque o compósito pode ser personalizado conforme a necessidade de uso e por ter a capacidade de ser moldado em formatos complexos não obtidos facilmente por outros materiais.

Em outro artigo  do grupo, publicado nos anais da 6th International Conference on Integrity-reliability-failure, realizado em Portugal, em 2018, eles concluíram, por meio de estudos de simulação computacional, que a prótese transtibial de bambu era resistente para atender satisfatoriamente às necessidades mecânicas de pessoas com até 100 quilogramas.

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Tecnologias assistivas

A inovação desenvolvida por Santos é um dos projetos escolhidos para ser apoiado pelo Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Tecnologia Assistiva (CMDTA), um dos dois novos Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCD) criados pela FAPESP em 2024.

O Centro tem o propósito de elaborar tecnologias voltadas para pessoas portadoras de deficiências que limitam o esforço físico. O outro CCD é o Centro de Tecnologias Assistivas para as Atividades da Vida Diária (CTecvida), sediado na Universidade de São Paulo (USP).

O CMDTA tem sede na Unesp de Bauru. Além do foco em inovações voltadas à reabilitação física, o centro também trabalha no desenvolvimento de tecnologias assistivas relacionadas à comunicação alternativa e materiais pedagógicos digitais.

Ao todo, é composto por 42 pesquisadores de 17 diferentes laboratórios da Unesp, USP e das universidades federais de São Carlos (UFSCar) e do ABC (UFABC) e mantém parcerias com instituições como o Centro Especializado em Reabilitação Sorri-Bauru, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e o Hospital Amaral Carvalho, que tem unidades em Bauru e em Jaú (SP).

O projeto da prótese de bambu é um exemplo da cooperação apregoada por Grandini. Desenvolvido no Laboratório de Ergonomia e Interfaces da FAAC-Unesp, ele receberá recursos do CMDTA para a produção de protótipos que serão testados em pacientes por profissionais de fisioterapia e ortopedia do Sorri-Bauru.

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Novos projetos para próteses de braço e outros

Muitos dos projetos apoiados pelo CMDTA já estão em desenvolvimento nos laboratórios associados. Um exemplo é uma prótese transradial, para pessoas que passaram por amputação no braço, abaixo do cotovelo, desenvolvida durante o mestrado do designer Bruno Borges Silva.

Elaborada em processo de codesign – sistema em que o usuário participa do desenvolvimento do produto –, utiliza a prototipagem rápida, na qual o modelo é desenvolvido com base em dados digitais e é finalizado por meio de impressão tridimensional (3D).

A prótese é dotada de um sistema mioelétrico, no qual sensores captam sinais naturalmente emitidos pelos músculos sobre a intenção de movimento do usuário.

Essa informação é transmitida por bluetooth para a prótese completar o movimento, como, por exemplo, segurar um copo ou abrir uma embalagem.

O codesign, diz Paschoarelli, é uma estratégia inovadora no desenvolvimento de tecnologias assistivas e tem a capacidade de ampliar a aceitabilidade da prótese pelo usuário.

Em artigo publicado em 2020 na revista Educação Gráfica, o pesquisador avalia a relação da estética de equipamentos assistivos e a autoestima de portadores de deficiência.

A expectativa de Paschoarelli é que o intercâmbio entre as diferentes áreas de pesquisas impulsione o projeto por meio de sugestões sobre os materiais mais adequados para as próteses e outras tecnologias assistivas.

O primeiro protótipo foi construído com ácido polilático (PLA), um termoplástico biodegradável de origem natural.

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Joelho mecânico e desafios

Outro projeto do CMDTA é o de um joelho mecânico monocêntrico, ou seja, com um único eixo de rotação, que agrega funcionalidades inexistentes nas próteses fornecidas pelo SUS.

Entre as inovações há um sistema que permite ao usuário flexibilizar o movimento do joelho. Nas próteses tradicionais, o joelho, quando em marcha, está sempre estendido.

O novo modelo apresenta um sistema de bloqueio controlado pelo usuário, que pode optar entre travar a prótese no modo joelho estendido ou desbloquear e permitir que seja flexionado.

O joelho mecânico tem um mecanismo de mola que amortece os impactos durante a marcha, reduzindo dores no coto.

dissertação de mestrado apresentada em 2024 por Marcelo Alves de Macedo, um dos coautores do projeto, apresenta uma comparação entre pessoas idosas que utilizaram por seis meses a prótese tradicional e um grupo da mesma faixa etária que usou a nova versão desenvolvida pela equipe da Unesp.

Os resultados, segundo Macedo, indicaram que o novo protótipo favoreceu a redução do gasto energético, aumentando a eficiência na locomoção dos idosos.

Além disso, foi observada uma melhora na simetria da marcha, fator crucial para a diminuição do risco de quedas e lesões adicionais. Os usuários da nova prótese também apresentaram capacidade de realizar atividades diárias com menor esforço e dor.

Segundo Grandini, que é coordenador do projeto, a estratégia para oferecer um produto com mais qualidade e preços compatíveis com os modelos tradicionais é a substituição da matéria-prima utilizada.

Os joelhos mecânicos ofertados pelo SUS são produzidos 100% em aço inoxidável. O protótipo desenvolvido pela equipe da Unesp é de aço inoxidável e polipropileno, mais barato.

A equipe agora se dedica ao desenvolvimento de uma nova versão, em liga de titânio. A composição da liga está sendo mantida em segredo até que um depósito de patente seja efetivado.

A maior dificuldade para a criação de uma prótese que permita flexibilizar o joelho, explica o fisioterapeuta Rafael Oliveira, responsável pela construção do protótipo, é garantir que o seu tamanho seja semelhante ao da articulação humana e ela tenha toda a tecnologia associada para garantir o caminhar com segurança e equilíbrio.

Assim como ocorre em outras áreas de pesquisa, um desafio para os desenvolvedores de tecnologias assistivas no país é transpor a fase de projeto para o da industrialização. Um problema é o perfil das poucas empresas brasileiras dedicadas ao setor.

Rodrigues é coautora de artigo publicado em 2024 no Jornal Brasileiro de Economia da Saúde que analisa as perspectivas econômicas do mercado de tecnologia assistiva. Nele, ela relaciona a escassez da oferta de produtos à falta de incentivo e financiamento no país para pesquisa e desenvolvimento e também para a industrialização.

Battistella avalia que o Brasil tem centros de inovação capacitados e potencial para produzir e distribuir o que os pacientes precisam. Por outro lado, o SUS, com seu poder de compra, representa uma grande oportunidade para os fornecedores.

Em 2021, as importações brasileiras de tecnologia assistiva somaram US$ 711,4 milhões, enquanto as exportações se limitaram a US$ 177,7 milhões.

Video: Tipos de Amputações Conheça as Causas e Como trabalhar a funcionalidade do paciente pós amputação!

Foco em demandas reais

Realizar essa aproximação é uma das propostas do CTecvida, com sede na USP.

Além da Poli e do IMREA, o CTecvida agrega a Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP), o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, o Instituto Mara Gabrilli, voltado para a inclusão de pessoas com deficiência, e a startup Voltta Fitness.

Entre os projetos já em desenvolvimento do CTecvida abrigados na Poli e na EESC estão dois modelos de exoesqueletos robóticos para os membros inferiores. Esses aparelhos são destinados a vítimas de acidente vascular cerebral (AVC), doença de Parkinson, lesão da medula espinhal, entre outras.

Ao contrário dos equipamentos tradicionais de origem europeia e norte-americana – sistemas de grande porte que realizam todo o movimento para os usuários –, os exoesqueletos nacionais propõem estruturas enxutas e combinam o esforço do usuário com o apoio mecânico.

Para isso, são dotados de softwares que interpretam a intenção de movimento e comandam o equipamento para que este complemente a ação necessária para a efetivação da tarefa (ver Pesquisa FAPESP nº 301).

Agora, os cientistas do CTecvida estão empenhados em desenvolver exoesqueletos compostos de peças modulares, que permitam aos usuários adquirir o aparelho completo ou apenas os equipamentos necessários para sua principal deficiência, como, por exemplo, restrições de mobilidade no joelho, no tornozelo ou em ambas as articulações.

Forner-Cordero relata que o complemento da estratégia competitiva é garantir que as peças modulares sejam compatíveis, podendo ser utilizadas em estruturas de exoesqueletos de diferentes fornecedores.

Para isso, os pesquisadores estão empenhados na criação de peças padrão e normas produtivas, que deverão orientar o desenvolvimento e a fabricação dos módulos para que sejam intercambiáveis.

Os requisitos para o design integrado de um exoesqueleto modular que geram segurança ao usuário foram apresentados por Forner-Cordero em dois artigos publicados nos anais da 6ª IEEE International Conference on Biomedical Robotics and Biomechatronics, em 2016.

Mais recentemente, os resultados de ensaios com o exoesqueleto foram divulgados na IEEE Transactions on Medical Robotics and Bionics.

Novas cadeiras de rodas modulares proporcionam mais conforto aos usuários

O CTecvida também trabalha na criação de cadeiras de rodas modulares que proporcionem mais conforto aos usuários e uma relação custo-benefício vantajosa.

A tarefa está a cargo do Laboratório de Estruturas Leves da Unidade de Materiais Avançados (LEL-UNMA) do IPT, em São José dos Campos (SP), em parceria com o IMREA. Segundo o engenheiro industrial Alessandro Guimarães, gerente técnico do LEL, o projeto está dividido em três etapas distintas.

A primeira, foco da atenção atual, prevê o desenvolvimento de uma cadeira de rodas convencional, utilizando materiais mais anatômicos, mas com preço final compatível com os valores pagos pelo SUS em suas aquisições do equipamento.

O projeto prevê a substituição do encosto, acento e apoio do braço, fabricados hoje em formatos padrão com materiais poliméricos. No lugar deles, serão usadas peças anatômicas feitas com espumas termomoldáveis produzidas com material compósito de base polimérica reforçado por fibras sintéticas ou naturais.

A princípio, a substituição da matéria-prima tradicional por materiais mais nobres levaria a um aumento de custo. A estratégia para contornar o problema é o uso da técnica de simulação estrutural para analisar o impacto dos carregamentos mecânicos na peça, que será moldada sob medida.

Em um segundo momento, a equipe do LEL vai se dedicar a desenvolver uma cadeira modular, que permita o uso do mesmo chassi para receber peças diferentes de acordo com a evolução da necessidade do paciente.

A terceira etapa do projeto será integrar a cadeira de rodas aos exoesqueletos modulares em desenvolvimento pela Poli e EESC, permitindo ao usuário intercambiar de forma autônoma um equipamento para outro.

Política de Uso 

É Livre a reprodução de matérias mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space  

CIENTISTAS CRIAM NOVOS TIPOS DE PRÓTESES E EXOESQUELETOS

Bibliografia

Pesquisa Fapesp

Cientistas desenvolvem modelos inovadores de próteses e exoesqueletos

Projetos
1.
 Centro Multidisciplinar para o Desenvolvimento de Tecnologia Assistiva (CMDTA) (no 24/01132-2); Modalidade Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCD); Pesquisador responsável Carlos Roberto Grandini (Unesp); Investimento R$ 483.566,25.
2. Centro de Tecnologias Assistivas para as Atividades da Vida Diária (no 24/01120-4); Modalidade Centros de Ciência para o Desenvolvimento (CCD); Pesquisador responsável Arturo Forner-Cordero (USP); Investimento R$ 317.141,84.

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