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Atualizado 6 de agosto de 2025 por Sergio A. Loiola

Pesquisadores reuniram dados arqueológicos e estudos mais recentes do genoma humano para estabelecer 135 mil anos atrás como o limite mínimo em que a linguagem falada estruturada estivesse disponível.

Exatamente quando surgiu a linguagem é uma pergunta que pode nunca vir a ser respondida.

O artigo apoia também a hipótese de que a linguagem deve ter dado origem à dispersão do comportamento humano moderno há aproximadamente 100 mil anos.Na imagem, pinturas rupestres neolíticas encontradas na região de Tassil-n-Ajjer (Planalto dos Abismos), no Saara – Foto: Biblioteca do Congresso, Domínio público

Mas os cientistas agora propuseram com mais precisão uma data em que a capacidade do Homo sapiens para a linguagem teria se desenvolvido: 135 mil anos atrás.

O artigo da Pesquisa foi Publicado na Revista Frontiers in Psychology.

A seguir veremos detalhes dessa aventura sobre as origens da linguagem humana.

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Um estudo que reuniu pesquisadores da USP e instituições dos Estados Unidos, Suíça e Japão parte de uma informação já bem consolidada entre os cientistas sobre quando se deu a primeira cisão populacional entre os seres humanos.

Ocorrida na África, ela deu origem a dois grupos: os Khoe-Sān, ainda presentes no continente, e outro um grupo que se ramificou em todas as outras populações de Homo sapiens que se espalharam pelo Planeta.

Aproximação facial forense de Jebel Irhoud (~315.000 AP) – Ilustração: Cicero Moraes, 2024/Via fighshare – CC 4.0

A ideia não é nova, sendo inspirada num trabalho anterior que também junta dados arqueológicos e alguns estudos do genoma humano para tentar estabelecer esse limite.

O que diferencia o estudo atual é que ele se apoia num corpo maior e mais recente de evidências – em especial no nível genômico, para refinar a estimativa para o ponto mais remoto do surgimento da capacidade linguística em 135 mil anos atrás. 

Vídeo: A Evolução da LINGUAGEM HUMANA (Dublado)

A professora do IB explica que agora estão disponíveis diversos estudos de paleogenomas e de genética de populações atuais, usando diferentes marcadores.

“A estrutura que organiza as línguas atuais parece ser bastante uniforme. Usamos o termo capacidade linguística porque não sabemos dizer em que medida, naquele ponto, havia de fato a expressão de uma língua ou qualquer sistema organizado seguindo as regras da linguagem humana moderna. Mas aquilo que servia de ingrediente para a manifestação desse conhecimento linguístico, muito possivelmente já estava disponível nesse momento, 135 mil anos atrás”, complementa Vitor Augusto Nóbrega, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e coautor do artigo. 

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Comportamento moderno

O artigo apoia ainda a hipótese de que a linguagem deve ter dado origem à dispersão do comportamento humano moderno há aproximadamente 100 mil anos. “Este é um momento em que se começa a observar na cultura material dos primeiros humanos modernos um comportamento que parece estar mediado por símbolos”, explica.

Artefatos do paleolítico médio – Foto: Eleanor M.L. Scerri – Trends in Ecology & Evolution, 2018 (reprodução do artigo)

Esses são registros mais recentes, de cerca de 85 mil anos atrás. Mas muito antes de haver, no registro arqueológico, qualquer evidência de uso de adorno ou grafismos, temos a evidência de troca de matéria prima. “Principalmente rochas – esse pessoal mais antigo já gostava de lascar uma pedrinha”, brinca Mercedes Okumura.

Então teria que ter havido troca de matéria prima de longa distância – um grupo que morava na costa poderia trocar com um que mora mais para o interior.

Comportamentos denotam uso moderno simbólico da linguagem

Entre os trabalhos que suportam a hipótese, ela cita o artigo The Revolution That Wasn’t. Nele, “as autoras vão mapear comportamentos que antes não eram tidos como tão importantes, mas que elas propõem que sim, poderiam estar nos indicando a presença um comportamento moderno, simbólico – muito antes nos diziam os meios mais óbvios, que era olhar para a presença de arte e adornos”.

Inovações no comportamento humano – Imagem: adaptado de Sally Mcbrearty e Alison S. Brooks – Journal of Human Evolution,2000

Além disso, elas chamam atenção para o fato de os itens encontrados que indicam esses comportamentos não ocorrerem repentinamente juntos, como previsto por um outro modelo – chamado de “revolução humana”-, mas em locais amplamente separados no espaço e no tempo.

O linguista Shigeru Miyagawa, primeiro autor do artigo sobre a capacidade para linguagem, conta que sempre houve uma questão sobre como pensar a linguagem em relação a outros comportamentos humanos modernos, como decorações corporais e ferramentas.

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Pesquisa transdisciplinar é nescessária para a fala

Durante muito tempo o registro simbólico foi o critério de base para dizer que provavelmente dado grupo humano acabou desenvolvendo algo que teria que envolver linguagem, e a partir disso poderia se especular que a linguagem estaria disponível.

Alunos do curso de idiomas Khoekhoegowab, a língua indígena Khoisan, homenageados em uma cerimônia de formatura – Foto: Reprodução/University of Cape Town

“O que a gente está fazendo neste trabalho é tentar olhar para alguma coisa um pouco mais robusta e que pode ser falseável” diz Vítor Nóbrega ao Jornal da USP, ao citar o uso dos dados genômicos.

“Existe esse jargão já muito popular, de que ‘as línguas não fossilizam’, e é verdade. A gente tem que procurar outros modos de tentar entender quando, como e onde aparece essa capacidade da linguagem. A escrita é muito, muito posterior e muitos grupos não têm escrita”, explica Mercedes Okumura.

“Temos algumas alternativas de olhar para o registro arqueológico, para essa questão da genética, da primeira divisão, e assim por diante, mas ainda assim é um tema difícil de pesquisar. Ele certamente requer um grupo interdisciplinar pensando nisso, pessoas ousadas o suficiente para tentar se arriscar a responder perguntas para as quais não temos muitos indícios.”

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Com verticalização ele se refere a um refinamento dos métodos de se extrair do registro arqueológico uma evidência que seja minimamente robusta e objetiva para dizer “aqui parece haver linguagem”. 

E pontua que as disciplinas individualmente também ampliaram o seu repertório de investigação.

“Agora sabemos muito mais sobre genômica de populações e sobre os registros materiais de diferentes épocas. E a gente também sabe muito mais sobre a linguagem humana. Estamos em um ponto em que parece ser possível articular esses conhecimentos, mas ainda assim é preciso que a gente fique alerta para que a costura fique bem alinhavada.”

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Só os Homo sapiens desenvolveram linguagem?

O debate sobre a existência de componentes da linguagem em outros primatas foi reaceso nos últimos dias com a publicação de um artigo na Science.

Após analisar várias horas de gravações de bonobos, os autores sugerem que estes animais podem gerar significado ao encadear sons em pares.

Esta é uma característica marcante da linguagem humana – “a combinação de elementos em estruturas significativas maiores, um padrão conhecido como composicionalidade”, escrevem.

Para alguns especialistas, isso deixa menos marcantes do que pensávamos as diferenças de comunicação entre os primatas humanos e não humanos; para outros, a descoberta não diz nada sobre a evolução da linguagem.

Pesquisadores como Shigeru Miyagawa, inclusive, a atribuem unicamente ao Homo sapiens entre todos os hominídeos.

Ainda que em outros trabalhos ele argumente que um componente importante da linguagem humana pode ser compartilhado com outros primatas, ele reforça que a linguagem humana é única, combinando características para formar um sistema muito complexo.

Política de Uso 

É Livre a reprodução de matérias mediante a citação do título do texto com link apontando para este texto. Crédito do site Nature & Space   

QUANDO HUMANOS DESENVOLVERAM A FALA ESTRUTURADA?

Bibliografia

Revista Frontiers in Psychology

Linguistic ability was present in the Homo sapiens population 135,000 years ago

Jornal USP

Quando desenvolvemos a capacidade para linguagem?

Science

Extensive compositionality in the vocal system of bonobos

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